Os direitos humanos não estão de quarentena

Da mesma forma que não podemos baixar os braços na luta contra a pandemia causada pela covid-19, também não podemos descurar a luta pelos direitos humanos de todas as pessoas, principalmente as mais desfavorecidas, seja qual for a sua raça, etnia ou condição social.

Tenho por hábito pensar que são os momentos de maior crise que despertam o melhor e o pior das pessoas. Na verdade, esta crise pandémica tem mostrado vários exemplos (que são de louvar) de muitas pessoas que correm riscos diariamente para tentarem proteger e salvar a vida de outras pessoas. Mas infelizmente nem sempre é assim. São vários os relatos de pessoas que têm comportamentos desumanos e degradantes, tendo por base apenas a raça, etnia, condição social, económica ou social. Mas tudo piora quando tal comportamento é realizado por Estados. Infelizmente, a coberto da pandemia, muitos Estados têm revelado comportamentos altamente violadores dos direitos humanos mais básicos.

A Índia e as Filipinas, por exemplo, aproveitando a larga margem que foi dada às autoridades públicas para aplicação de medidas de contenção de pessoas, usaram tal poder para serem particularmente humilhantes e desumanos para grupos vulneráveis. Várias foram as imagens que correram o mundo, de autoridades indianas e filipinas a agredirem e humilharem pessoas que não cumpriam as medidas de afastamento social.

No dia 5 de abril de 2020, em Pandacaqui, Filipinas, três pessoas associadas a um grupo LGBT foram detidas, após toque do recolher obrigatório, mesmo quando tentaram explicar que estavam a fazer um recado para a avó de um deles. Contudo, as autoridades acusaram-nos de estarem a procurar sexo ilícito e, como punição, foram humilhados publicamente, tendo sido dado ordem de se beijarem, dançarem e fazerem flexões em público, tendo tal ato sido gravado e publicitado em redes sociais como forma de ampliar a humilhação.

Um outro exemplo vem da Grécia. É conhecido o problema dos migrantes, principalmente os de Alepo, que estacionaram numa das maiores portas de entrada para a UE. Para além de outros problemas associados aos migrantes que se encontram naquela zona, recentemente soubemos que o Governo grego colocou centenas de crianças que não têm pais ou parentes próximos consigo em prisões policiais ou em centros de detenção de migrantes. Para além dos perigos de confinamento destas crianças em ambientes que são propícios ao aumento de casos de covid-19, também é desumano colocar crianças em locais que não são adequados para crianças. As crianças têm direito a brincar, aprender e prosperar em liberdade e não devem ser colocadas em prisões ou locais similares. O Governo grego teria (e deveria) de criar as condições para que essas crianças fossem levadas para moradias ou locais similares onde as crianças pudessem receber tratamentos médicos, aconselhamento psicológico, educação e assistência jurídica. Não podemos esquecer que a infância acontece apenas uma vez na vida e precisamos de garantir que aquelas crianças tenham o direito a viver a sua infância.

Nas últimas semanas, as autoridades do Azerbaijão estão a usar as restrições impostas para perseguir e prender ativistas políticos por forma a silenciarem os críticos ao Governo. Assim, nos últimos 30 dias, pelo menos seis ativistas e um jornalista foram detidos a pretexto da violação do bloqueio e por desobediência às ordens da polícia. Trata-se de pessoas que criticaram os centros de quarentena administrativa do Governo. Este comportamento não é novo nas autoridades do Azerbaijão. Contudo, com as medidas de contenção e afastamento social aplicadas, tornou-se mais frequente a detenção dos ativistas e jornalistas anti-regime. Aliás, o Presidente Ilham Aliyev referiu explicitamente que usaria as medidas de combate à pandemia para reprimir a oposição.

Assim, no dia 22 de março, a polícia do Azerbaijão convocou Anar Melikov, membro da Frente Popular do Azerbaijão, na sequência de uma publicação que este fez nas redes sociais criticando as condições precárias e insalubres nos centros de quarentena de Jalilabad, cidade do Sul do Azerbaijão. Depois de ter sido interrogado pela polícia, Anar Melikov foi acusado de disseminar informações falsas sobre o vírus e condenado a dez dias de prisão.

Tal como Anar Melikov, também Shakir Mammadov, Faig Amirli, Nijat Abdullayev, Ruslan Amirov, todos membros da Frente Popular e o jornalista Natig Isbatov foram detidos e condenados a prisão, que ocorreram no último mês, sendo que o pretexto foi similar para que a prisão fosse aplicada.

Mais recentemente, foi dado conta de que no Sul da China estariam a expulsar pessoas de origem africana de suas casas, tendo mesmo existido relatos de agressões a pessoas de raça negra, tal como foi noticiado pela Amnistia Internacional.

A pretexto do medo de ressurgimento da covid-19 na China, vários chineses disseminaram pelas redes sociais que 300 mil pessoas de raça negra em Guangzhou estavam a desencadear uma segunda epidemia. Apesar de as autoridades terem desmentido esse boato que se tornou viral, o efeito nefasto dessa divulgação infundada não deixou de se fazer sentir. Várias pessoas de raça negra foram expulsas de casa, estando a viver debaixo de pontes ou noutros locais públicos sem quaisquer condições de salubridade, foram também proibidos de entrar em restaurantes e muitos foram agredidos em praça púbica por vários chineses.

São vários os exemplos de violações grosseiras dos direitos humanos em diversos países.

Da mesma forma que não podemos baixar os braços na luta contra a pandemia causada pela covid-19, também não podemos descurar a luta pelos direitos humanos de todas as pessoas, principalmente as mais desfavorecidas, seja qual for a sua raça, etnia ou condição social.

Algumas entidades, como a Amnistia Internacional, têm estado atentas a estes eventos e têm denunciado publicamente estas práticas cruéis, desumanas e degradantes, mas as autoridades internacionais devem atuar de imediato.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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