Covid-19: Amnistia Internacional propõe Comité de Monitorização de Direitos Humanos

Organização desafia autoridades a conceber um comité composto por especialistas e representantes dos grupos vulneráveis, que faria avaliações contínuas e relatórios regulares.

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Sara Jesus Palma

A Amnistia Internacional pede ao Governo que crie um Comité de Monitorização de Direitos Humanos. Este organismo, formado por peritos e representativo dos grupos mais vulneráveis, seria um modo de “garantir mecanismos de escrutínio redobrados em tempo de pandemia”.

Aquela organização internacional dirigiu esta terça-feira a proposta, por carta, ao primeiro-ministro, António Costa. Com a missiva seguia uma lista de “dez princípios de direitos humanos para Portugal responder à covid-19”.

O documento preconiza uma resposta centrada nos direitos humanos, limitando as medidas que os restringem e abordando a vulnerabilidade à violação de direitos de grupos específicos. Para lá da idade e das doenças que cada um possa ter, o vírus e as restrições para o conter poderão prejudicar mais “comunidades que já experienciam abusos de direitos humanos de forma desproporcional”.

O primeiro grupo é o das pessoas em situação de pobreza para as quais “são necessárias medidas extraordinárias”, atendendo a factores como “racismo, isolamento e preocupações de longo prazo relativas ao direito à habitação, acesso a cuidados médicos, água potável, saneamento, electricidade e outros serviços essenciais”. Caberá aqui o sub-grupo de pessoas que vivem em condições precárias e em situação de sem abrigo.

Segue-se o grupo formado por vítimas de violência domésticacrianças, adultos e idosos, de qualquer género, classe e orientação sexual. Está provado que a distância social e o confinamento podem aumentar o risco de violência. Esse risco “é particularmente agravado à medida que os trabalhadores são abrangidos pelas práticas de layoff e regressam a casa durante este período de tanta ansiedade”.

O terceiro grupo é o das mulheres, não só por serem mais afectadas pela pobreza e pela violência, mas também por assumirem de forma desproporcional o trabalho não pago associado à casa e à família. “Em média, as mulheres continuam a receber menos do que os homens e, durante esta crise, algumas serão obrigadas a abandonar os seus empregos para assumirem responsabilidades enquanto cuidadoras.”

Há também o grupo dos precários. “A ampla redução e o encerramento das actividades de pequenas empresas têm um impacto desproporcional nos trabalhadores precários, incluindo trabalhadores pagos à hora, trabalhadores com baixos salários, trabalhadores em situação irregular em Portugal e nos trabalhadores por conta própria, a quem uma redução significativa ou perda total do ordenado pode ter um impacto devastador na capacidade de satisfazer as necessidades mais básicas, incluindo renda, bens e alimentação.”

Merecem ainda especial menção as pessoas com diversidade funcional, já que “poderão ter uma propensão acrescida para contrair o vírus e, por sua vez, sofrerem um impacto ainda mais significativo das medidas restritivas que foram introduzidas”. “Todas as soluções e medidas deverão considerar a capacidade de acesso de todas as pessoas”, refere o documento remetido para as redacções pela Amnistia Internacional.

Visto que o impacto do vírus e das medidas de contenção difere conforme o género, a etnia, a diversidade funcional, o estatuto de residente no território nacional e a condição económica, o comité adoptaria “uma abordagem interseccional e de género, identificando estatísticas e informações relevantes”. Formado por académicos e por representantes dos grupos vulneráveis, faria avaliações contínuas, publicando relatórios regulares sobre o impacto das decisões em matérias de direitos humanos”, mas também produziria recomendações para o Governo.

 “Seria um comité nacional que pudesse monitorizar as duas crises que estamos a viver, a crise da saúde e a crise económica e social”, explica Pedro Neto, director-executivo da AI. “De acordo com o princípio da subsidiariedade, há resposta de proximidade que implicam uma colaboração entre o Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social e as instituições particulares de solidariedade e os municípios”, lembra. "Claro que a participação do Governo central tem de ser de reforço de meios, mas também é preciso que quem está no terreno tenha esta perspectiva de direitos humanos. Algum deste trabalho está a ser feito, o que queremos é ver reforçada esta atenção especial aos grupos mais vulneráveis.”

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