Dirigente distrital do PS no banco dos réus por abuso de poder

Ministério Público diz que jornalista sem curso de Direito foi contratada como jurista de duas juntas de freguesia de Sintra. Arguidos negam.

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CARLOS LOPES (arquivo)

O presidente da União de Freguesias de Sintra e um autarca de Queluz-Belas que já foi assessor do grupo parlamentar do PS estão a responder em tribunal por abuso de poder e outros crimes. Nenhum deles suspendeu o mandato. Além de pedir a sua condenação, o Ministério Público quer também, como pena acessória, que sejam proibidos de exercer funções.

Em causa está a contratação de serviços jurídicos por três juntas de freguesia deste concelho entre 2009 e 2013, todas então lideradas por autarcas socialistas. Diz a acusação que duas delas contrataram uma jornalista sem formação na área do Direito, mas na altura casada com o dito assessor parlamentar, Hugo Frederico, esse sim jurista. E acrescenta que Filomena Barros, da Rádio Renascença, nunca trabalhou para as autarquias em causa: “A sua contratação era apenas uma forma de a beneficiar ilegitimamente, e ao arguido Hugo Frederico, com dinheiros” públicos. Ao todo, foram pagos por conta destes alegados serviços 31.700 euros, montante que o Ministério Público quer que seja devolvido pelos arguidos. Os pagamentos mensais variavam entre 385 e 550 euros no caso de FIlomena Barros.

Além do ex-casal, sentam-se no banco dos réus o actual presidente da União de Freguesias de Sintra, Fernando Pereira, e os ex-presidentes da junta de São João das Lampas e Terrugem e da junta de Belas, Miguel Portelinha Vaz e Guilherme Correia Dias. “Os contratos foram celebrados devido à relação de interesse e proximidade entre os arguidos, eleitos em listas do PS” numa altura em que Hugo Frederico pertencia à comissão política concelhia deste partido.

O ex-assessor parlamentar continua, aliás, a ser dirigente distrital do PS, como membro da comissão política da Federação da Área Urbana de Lisboa. Desde 2017 faz também parte do executivo da União de Freguesias de Queluz e Belas, na qualidade de tesoureiro. Tem os pelouros da contratação pública, obras, cemitérios e comunicação. É ainda administrador executivo da empresa municipal de estacionamento de Sintra. Entre 2016 e 2017 Hugo Frederico chefiou o gabinete da ministra do Mar, Ana Paula Vitorino.

Além de abuso de poder, estão em cima da mesa os crimes de participação económica em negócio e recebimento indevido de vantagem. No caso de Belas, a junta de freguesia contratou este jurista, e não a sua mulher, tendo-lhe pago 9387 euros entre 2011 e 2013. Para os procuradores, aqui a ilegalidade reside no facto de Hugo Frederico não estar autorizado a desempenhar funções remuneradas fora da Câmara de Sintra, a cujos quadros pertence há muito. A sua contratação, diz a acusação, visava “acompanhamento e assessoria política dissimulada sob a forma de prestação de serviços técnicos ou jurídicos”.

As defesas dos arguidos alegam que a jornalista trabalhou mesmo para as juntas, mas que um erro relacionado com a inserção de dados no sistema de contabilidade autárquica POCAL por parte de uma funcionária de uma das autarquias fez com que estas prestações tivessem sido classificadas na rubrica errada, como sendo serviços jurídicos, quando na realidade se tratou de consultoria nas suas áreas de especialidade, relacionada nomeadamente com revisão de textos e preparação de um boletim municipal. “Os serviços foram efectivamente prestados, e é isso que estamos a tentar demonstrar em tribunal”, explica o advogado do autarca da União de Freguesias de Sintra e do ex-presidente de S. João das Lampas, Tiago Rodrigues Bastos. “Mas no caso de Filomena Barros não foram serviços jurídicos. Houve um lapso”. No que respeita à alegada incompatibilidade de funções do hoje administrador do estacionamento de Sintra, as defesas garantem que Hugo Frederico podia acumular a prestação de consultoria jurídica com a assessoria do grupo parlamentar do PS – e que, a ter-se verificado algum tipo de impedimento, tratar-se-ia de um mero ilícito disciplinar susceptível de já ter prescrito, nunca de crime.

O PÚBLICO entrou em contacto com a jornalista, que não quis prestar quaisquer declarações. Também ao silêncio se remeteu o presidente da concelhia de Sintra do PS, Rui Pereira. Já Fernando Pereira e Hugo Frederico limitaram-se a declarações de circunstância, dizendo-se tranquilos e crentes na justiça. “Aguardo serenamente que se faça justiça, inocentando-nos”, diz este último.

As molduras penais dos crimes em causa vão até aos cinco anos de cadeia, o que significa que uma eventual condenação pode resultar em penas suspensas para os arguidos. Porém, dado que a acusação de recebimento indevido de vantagem foi proferida na forma agravada do crime, esse facto pode fazer elevar ligeiramente essa moldura.

O PÚBLICO perguntou ao PS se o partido defende que autarcas a ser julgados por crimes deste género se mantenham em funções, mas não obteve qualquer resposta.

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