Justiça volta a parar dragagens no Sado

Depois de o Supremo ter chumbado uma providência cautelar, podendo os trabalhos ter início, tribunal de Almada aceitou providência cautelar e obra não avança esta quarta-feira, como anunciado.

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LUSA/RUI MINDERICO

As dragagens de aprofundamento dos canais de navegação do rio Sado, em Setúbal, que deveriam arrancar nesta quarta-feira, foram suspensas. No mesmo dia em que se soube que Supremo Tribunal Administrativo decidiu a favor das obras, chumbando a providência cautelar intentada pelo Clube da Arrábida, o Tribunal Fiscal de Almada aceitou uma providência cautelar interposta esta semana pela associação SOS Sado. 

A Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS), dona da obra, tinha anunciado nesta terça-feira que as dragagens iriam começar nesta quarta-feira. Para este avanço terá sido decisiva a decisão do Supremo que deu provimento ao recurso da APSS, revogando o acórdão do Tribunal Central Administrativo que tinha decidido ao contrário em segunda instância, e mantendo a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que recusou a providência do Clube da Arrábida. Agora, este tribunal de primeira instância aceitou a providência de outra associação.

A APSS confirmou ao PÚBLICO a suspensão das dragagens e diz estar a tentar “superar os efeitos” da providência cautelar. “Fomos notificados da providência cautelar e estamos a trabalhar no sentido de superar os efeitos da mesma.” A administração portuária acredita que a decisão de suspensão pode ser revertida nas próximas horas e as dragagens terem início como estava previsto.

Nesta terça-feira, a presidente da APSS, Lídia Sequeira, ao anunciar o arranque da obra, voltou a justificar o Projecto de Melhoria das Acessibilidades Marítimas ao Porto de Setúbal com a necessidade de modernizar o porto. “Hoje toda a carga é contentorizável e nós temos que preparar o porto para receber em carga contentorizada aquilo que anteriormente se fazia a granel”, explicou Lídia Sequeira na TSF. A responsável referia-se a uma prática nada condizente com os portos modernos, que ainda persiste no Porto de Setúbal, que é a movimentação de toneladas de carga a granel, sobretudo estilha, que formam autênticas serras de madeira no terminal portuário. Para a presidente do porto é preciso “organizar” o transporte de mercadorias e a melhor solução é a que conjuga a via marítima com a ferrovia.

“Existe um projecto de electrificação e de correcção do perfil na via férrea do troço final de ligação ao Porto de Setúbal, que está em marcha e vai, proximamente, ser também lançado um concurso público para efectuar a obra. Para nós a melhor forma de a região de Setúbal receber mercadorias é por via marítima e, associada à via marítima ter o Hinterland servido por via ferroviária”, defende.

Lídia Sequeira garante que “todas a motivações de natureza económica deste estudo foram devidamente analisadas e divulgadas”.

O presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) afirmou também que “o facto de o Porto de Setúbal precisar de dragagens para funcionar não quer dizer que isso ponha em causa os valores ambientais”.

Nuno Lacasta recorda que foi feita há alguns anos uma avaliação de impacto ambiental em que “conseguiu assegurar-se que a dragagem não punha em causa a comunidade de golfinhos” e assegurou que o estudo teve em conta “as diferentes preocupações ambientais e económicas”.

O presidente da APA conclui que “quando os valores ambientais são ameaçados de forma que não permita perseguir uma determinada obra ou investimento, a avaliação chumba”.

Apesar destas garantias, as dragagens no Sado estão a ser fortemente contestadas por associações cívicas e de defesa do ambiente, que consideram a retirada de 3,5 milhões de metros cúbicos de areia um atentado ambiental ao frágil ecossistema do rio.

As associações de pesca de Setúbal têm contestado também a deposição de dragados na zona da restinga, perto de Tróia, considerada uma importante maternidade de peixe, como linguado, raia, polvo, pregado, salmonete, sardinha, cavala e choco.

A presidente da APSS assumiu publicamente o compromisso de tentar encontrar uma solução alternativa à restinga para a deposição de dragados mas, até agora, não foram licenciados novos locais para fazer esse depósito.

A APSS comunicou nesta terça-feira, em nota enviada ao PÚBLICO, que “os primeiros dragados serão colocados no aterro a nascente do terminal ro-ro e os restantes nos locais de deposição constantes da declaração de impacte ambiental”, leia-se na restinga.

“A APSS tem estado particularmente atenta às preocupações manifestadas pelas associações de pescadores, com as quais está a trabalhar no sentido de encontrar uma solução que, assegurando o cumprimento da DIA, salvaguarde os interesses da comunidade piscatória de Setúbal”, reitera ainda a mesma nota.

Costa não suspende

O primeiro-ministro disse nesta terça-feira não haver razões para suspender as obras no Porto de Setúbal.

“Não temos nenhuma razão para suspender uma obra que a Agência Portuguesa do Ambiente autorizou que seja realizada”, afirmou António Costa durante o debate quinzenal, na Assembleia da República, depois de o PAN lhe ter perguntado directamente se estaria disponível para suspender as dragagens.

O chefe de governo defendeu que o país “precisa de outro aeroporto” e de “valorizar a sua fachada atlântica e a sua capacidade portuária”, e que essas oportunidades devem ser compatibilizadas com “compromissos em matéria de acção climática e, designadamente, em matéria de protecção do ambiente”.

“É por isso que as dragagens do Sado só foram feitas após um estudo de impacte ambiental e após a emissão da declaração do impacte ambiental”, concluiu.

A líder parlamentar do PAN, Inês Sousa Real, considerou que “o Governo tem de decidir de que lado quer estar, se do lado dos que, como o PAN, querem um planeta sadio, ou se, por outro lado, daqueles que têm apenas pretendido saqueá-lo, comprometendo até a sua própria existência, comprometendo aquilo que são os interesses das gerações actuais e futuras”.

O tema volta à Assembleia da República, no próximo dia 19 de Dezembro, com a votação dos projectos de resolução do PEV, BE e PAN, e espera-se a presença de activistas de Setúbal que estão a preparar a deslocação a Lisboa.

No domingo, cerca de 200 pessoas estiveram na vigília contra as dragagens organizada pela associação SOS Sado. Os participantes apelaram à mobilização dos setubalenses para comparecerem na reunião pública da Câmara de Setúbal marcada para esta quarta-feira, às 16h. O objectivo é sensibilizarem o executivo camarário para o que consideram ser um grave atentado ambiental contra o estuário do Sado.

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