Oeste africano entre os focos de atrito e as metas de integração

O terrorismo no Sahel é o maior desafio na região da África Ocidental, com vários grupos jihadistas em acção num imenso território, onde o respeito pelas regras da democracia e a estabilidade das instituições ainda não são garantidos.

O encontro da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) em Niamey, na passada semana, sobre a Guiné-Bissau, representa apenas um dos múltiplos problemas enfrentados por esta macrorregião africana. É certo que, neste caso, a CEDEAO joga grande parte da sua credibilidade como agente de resolução de conflitos, até porque chamou a si o papel principal na matéria e instalou um dispositivo militar em Bissau. Para além das declarações sobre a ilegalidade de demissão do Governo de Aristides Gomes, pelo Presidente, José Mário Vaz, a CEDEAO parece agora mais preocupada com a realização das eleições previstas para o próximo dia 24, esperando que o presidente bissau-guineense não consiga reeleger-se, como eixo principal na normalização institucional deste país, cuja dimensão geográfica é inversamente proporcional à sua turbulência cíclica.

A vizinha República da Guiné (Conacri) também passa por um desses momentos e também por ação do seu Presidente, Alpha Condé, com projetos de alteração constitucional a fim de pleitear um terceiro mandato. Apenas dois mandatos são autorizados pela Constituição e as forças oposicionistas não estão dispostas a facilitar prolongamentos. Manifestações de grande dimensão ocorreram e mais estão agendadas, apesar de severas intervenções policiais.

Assim, uma entidade vocacionada para a promoção do desenvolvimento ocupa a maior parte do seu tempo na busca de estabilidade institucional e respeito às regras democráticas, com pré-requisito da integração regional e elevação dos índices de desenvolvimento humano na área.

Guerra terrorista

Nesta faixa de preocupações, o terrorismo no Sahel constitui o desafio maior. Desde a Mauritânia até ao Chade, a presença de islamismo armado continua forte através de três movimentos maiores: a Al-Qaeda do Magrebe Islâmico (AQMI), o Estado Islâmico do Grande Saara (EIGS) e o Boko Haram (BH). O primeiro foi fundado na Argélia mas espalhou-se a sul com importantes bases no Mali, país onde chegou a ter, com aliados locais, controlo de quase metade do território incluindo a cidade histórica de Tomboctu. Só uma intervenção militar francesa restabeleceu a soberania de Bamako. O segundo (EIGS) é produto da fusão de vários agrupamentos anteriores e realiza raides um pouco por toda a sub-região, com preferência pelo Burkina Faso, em virtude do seu regime democrático incomodar os princípios do jihadismo.

O terceiro (BH) nasceu na Nigéria mas possui células, pelo menos, nos Camarões, Chade e Níger. Os ataques jihadistas nestes países são feitos com base nessas células e, por vezes, travessia de fronteiras por grupos vindos da Nigéria. O norte nigeriano – até às margens do lago Chade – constitui para este movimento um foco de irradiação semelhante ao da AQMI no norte maliano. Porém, o Sul da Líbia, com quase vazio de poder central, é uma retaguarda de grande envergadura para o jihadismo, não só como zona de agrupamento e treino mas ainda comércio e depósito de armamento.

Por tudo isto, duas potências ocidentais mantêm bases e unidades de intervenção no Sahel. Os efetivos mais importantes são franceses, com um ponto de apoio aéreo em Ndjamena (Chade). Os Estados Unidos são a outra presença deste tipo, como pequenas unidades especiais no solo, voltadas para missões de reconhecimento, patrulha e formação de forças locais. Também possui um ponto de apoio aéreo, sobretudo para drones, em Niamey (Níger).

Este contexto confirma até aqui uma tendência: todas as grandes crises de segurança na África subsaariana são resolvidas com intervenções externas. Em casos como o Mali, evoluíram mesmo para a criação de uma das maiores forças atuais da Nações Unidas.

No sentido de modificar esta tendência, cinco países sahelianos (Mauritânia, Mali, Níger, Burkina e Chade) criaram um dispositivo armado conjunto, designado por G5 do Sahel, cuja operacionalização implica custos difíceis de suportar pelas frágeis economias locais. Então, aparece o apelo a outra forma de apoio externo – o financeiro.

Guerra transfronteiriça pouco noticiada no resto do mundo, já registou este mês dois dados de primeira grandeza: uma emboscada no Burkina Faso matou 37 trabalhadores mineiros e uma cidade do Sul Níger esteve nas mãos dos jihadistas quase um dia inteiro.

Face à multiplicação dos ataques e atentados, a CEDEAO apoiou a proposta dos países do G5 do Sahel no sentido de inserir estados costeiros com maiores forças armadas, como o Senegal e a Costa do Marfim. Uma reunião de estados-maiores teve lugar há dias em Abidjan com promessa de esta cooperação se iniciar no fim do corrente ano ou começo do próximo.

Alteração monetária

No plano estritamente económico, a Nigéria, sede da CEDEAO, tem hoje o maior PIB africano, cerca de 1,2 triliões de dólares (pelo método do poder de compra paritário ou PPP), resultado tanto do petróleo como do consumo geral de mais de duzentos milhões de habitantes. Para o próximo ano fiscal o país adotou um megaorçamento com metas de crescimento na ordem dos 4% e medidas estatais de estímulo à diversificação económica, aliás, como pretendem outros produtores petrolíferos a sul do Sara. Em Abuja, capital nigeriana, a CEDEAO lançou o projeto de criação de uma moeda para toda a macrorregião, substituindo as moedas locais não convertíveis e o relativamente convertível franco CFA, considerado reminiscência colonial. O Benim posicionou-se já nesta linha ao retirar os seus depósitos no Banco da França, até aqui condição de permanência na zona CFA.

A adoção efetiva da nova moeda abrangerá a Guiné-Bissau, membro da UEMOA reguladora do franco CFA, mas levanta grande desafio a Cabo Verde, cuja moeda está muito ligada ao euro através de acordo com o tesouro português.

Investigador visitante do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE/IUL

Primeira de uma série de cinco análises às regiões de África – todos os domingos

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