Educar um adolescente rima com respeitar e negociar

Convenhamos, as admoestações são para as crianças. Imbuídos de um pensamento abstracto, os adolescentes crescem equipados com esta capacidade imensa de pensar por si mesmos, mesmo se mal, mas pensar, planear, decidir, escolher sem volta a dar.

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Banter Snaps/Unsplash

Naquela noite, a minha mãe teve razão. A minha mãe e o valente par de estalos nesta cara ainda imberbe, ainda adolescente. Não obstante, saí à noite, para a noite, na noite a um dia de semana.

Não obstante não ter autorização para sair, já tinha 16 anos, podia fazer o que muito bem quisesse e já estava farto de só poder sair ao fim-de-semana, já tinha a altura de um homem, ou assim pensava, e, por conseguinte, saí.

Não sem antes levar um valente par de estalos, bem merecidos, já disse.

O grito do Ipiranga? A liberdade tão ansiada? A independência? A vida ou a morte? A morte, pois claro, antes a morte, peito às balas e até sempre, camaradas, que morro!

E sim, tinha os exames à porta e estudar não era a palavra de ordem, não quando os amigos falam mais alto, a noite mais alto, a rua mais alto, basta abrir a porta de asas abertas.

Ainda com as faces rosadas, voltei a casa uma hora depois já com as pistolas na mão à espera de ouvir das boas, à espera de castigos apocalípticos, sentenças perpétuas e mil e um trabalhos forçados.

Nada, no entanto, fazia antever a grande lição à minha espera na sala, logo ao lado da porta de entrada. Com a voz mais calma, a minha mãe pediu-me, por favor, para me sentar a seu lado, para de seguida pedir desculpa pelos estalos em troca de um pedido de desculpas por tê-la desautorizado.

Daí em diante, se quisesse sair à noite bastava dizer-lhe para onde ia e a que horas voltava. Nada mais. Fim da conversa, sem castigos nem consequências, sem Adamastores a enterrar navios em fúria no mar, sem furacões de categoria 5, sem suplícios eternos nem flagelações bíblicas. 

O remédio foi santo: nunca mais saí à noite durante a semana. Tinha de estudar, os exames estavam à porta, a rua podia esperar e os amigos também.

Psicologia inversa? Ou a fé inabalável no poder do diálogo e consenso para com a criança adolescente já capaz de compreender e dialogar, negociar?

Inclino-me para a segunda. Todos os dias, de então para cá, inclino-me para a segunda. Por uma questão de respeito. Por uma questão de princípio, de necessidade de confiar no adolescente que não é nem criança nem homem, mas já é capaz de tomar decisões e andar para a frente. Fruto da inexperiência, é nosso dever guiar o adolescente, explicar, dar a conhecer, sem nunca proibir, ao invés dando a escolher, fazendo concessões mas sem deixar de dar a mão ou montar a rede por baixo nunca se sabe quando pode cair e vai cair, é uma questão de tempo, mas não cai sozinho, não cai desamparado.

Convenhamos, as admoestações são para as crianças. Imbuídos de um pensamento abstracto, os adolescentes crescem equipados com esta capacidade imensa de pensar por si mesmos, mesmo se mal, mas pensar, planear, decidir, escolher sem volta a dar, eles já sabem o que querem e nós também sabíamos e os tempos não mudaram, nós é que nos esquecemos.

Naquela noite, ainda com as bochechas a arder, aprendi como a minha mãe ainda pode levantar muito bem a mão — mesmo hoje. Mas, e agora a sério, nessa noite aprendi a respeitar ainda mais a minha mãe, a mãe professora, educadora, tolerante e cuidadora, sempre presente sem pedir nada em troca a não ser a passagem dos mesmos valores, 20 anos depois, para as sobrinhas que agora se agarram a estas pernas.

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