Chumbadas propostas do PSD e do PS para alterar composição do Conselho Superior do Ministério Público

Tanto os socialistas como os sociais-democratas ficam isolados na defesa das respectivas propostas. Todos os outros partidos votaram contra. Vingou a proposta do Governo que mantém uma maior representatividade de magistrados naquele órgão.

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Sindicato dos Magistrados do Ministério Público contestava a alteração da composição do órgão que tutela esta magistratura. Nuno Ferreira Santos

As polémicas propostas do PSD e do PS para alterar a composição do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), o órgão de disciplina e de avaliação dos procuradores, foram chumbadas esta quarta-feira ao fim da tarde no Parlamento.

O PSD propunha que o CSMP passasse a ter mais elementos nomeados pela Assembleia da República do que eleitos pelos próprios magistrados. Ou seja, aquele órgão passaria a ter uma maioria de não-magistrados. O PSD ficou sozinho na votação uma vez que os restantes partidos - PS, Bloco, CDS e PCP - votaram contra.

Na proposta do PSD, aquele órgão passaria a ser composto por 17 membros em vez dos actuais 19: os quatro procuradores-gerais distritais deixariam de estar representados naquele conselho, manter-se-iam os dois elementos nomeados pelo ministro da Justiça, bem como o procurador-geral e aumentar-se-ia de cinco para sete os nomeados pela Assembleia da República (ou seja, seriam nove os elementos escolhidos pelo poder político). Mantinham-se também sete procuradores eleitos pelos pares.

A proposta do PS, que propunha que o CSMP mantivesse os 19 membros, mas com uma composição ligeiramente diferente: mantinha os quatro procuradores-regionais, mas propunha que fossem cinco e não sete os procuradores eleitos pelos colegas. Estes dois membros seriam eleitos pelos outros magistrados membros do Conselho, sendo um deles obrigatoriamente procurador, se o procurador-geral não fosse oriundo do Ministério Público. Esta composição foi rejeitada pelo PSD, Bloco, CDS e PCP, que deixaram, desta vez, o PS isolado.

Acabou por ser aprovada a proposta do Governo, que não mexe na composição do órgão que tutela o Ministério Público, que tem competências sensíveis como seleccionar os procuradores que dirigem os vários departamentos de investigação criminal do país. Mantêm-se assim em maioria os elementos do CSMP que são magistrados - embora os membros que são eleitos se mantenham paritários.

A proposta dos sociais-democratas e também a do PS foram vistas pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) como uma tentativa do poder político controlar o poder judicial, uma vez que os procuradores são os responsáveis pelas investigações criminais. Por isso, o sindicato já tinha ameaçado fazer uma nova greve depois da paralisação de três dias em Fevereiro passado.

Mas até conseguirem começar a votar, os deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias demoraram hora e meia porque estiveram a trocar acusações sobre as propostas depois de o PCP ter, estrategicamente a meio da tarde, incendiado os ânimos com um comunicado muito crítico contra o PSD e o PS. Os comunistas acusaram os dois partidos de quererem controlar politicamente o Ministério Público ao diminuir a representatividade dos magistrados.

“Estes projectos e propostas não podem ser desligados de um quadro de um número crescente de investigações judiciais. Elas configuram um novo patamar de interferências e pressões sobre o poder judicial e os seus órgãos próprios, em desrespeito pelo princípio constitucional da separação de poderes”, acusou o PCP, condicionou a discussão e a votação e o PS fez mesmo questão de começar a votar o diploma precisamente pelo polémico artigo 22.º.

Ser e parecer

O vice-presidente da bancada do PSD recusou o “papão” das interferências mencionadas pelo PCP, defendeu que a intenção é ter “pesos e contrapesos” no CSMP. “Um sistema de auto-governo e que se controla a si próprio [como é o caso do CSMP] não garante princípios de isenção que são desejáveis”, argumentou Carlos Peixoto, exemplificando que França e a Alemanha têm solução semelhante à proposta pelo PSD e que o PS já defendeu em tempos. “Nunca há um tempo certo para se fazerem alterações. As investigações não vão acabar amanhã e todas vão ser sensíveis. Não vale a pena usar o argumento do tempo”, atirou ao PCP.

O socialista Jorge Lacão lançou-se contra o PCP acusando-o de “injúria e calúnia” e argumentou que o PS não acrescenta nenhum elemento eleito pelo poder político.

O comunista Jorge Machado não vergou: insistiu na ideia de que se vive um período “extremamente sensível” pelas investigações judiciais em curso e que o CSMP tem o poder de “movimentar e transferir procuradores que são titulares de processos-crime sensíveis e com implicações políticas”

Os bloquistas mantiveram-se à parte da discussão dizendo-se satisfeitos com a proposta do Governo. E a centrista Vânia Dias da Silva defendeu que “a autonomia do Ministério Público (MP) não pode ser posta em causa”, e que se deve manter o “paralelismo das magistraturas”. Considerou a proposta do PSD inaceitável por poder levantar a “mera hipótese académica de condicionamento do MP” e lembrou que “à mulher de César não basta ser - é preciso parecer”.

Mas, se os magistrados ficam satisfeitos na questão da composição do CSMP - embora não o suficiente para desconvocarem a greve -, irão ficar desagradados com pelo menos uma das normas (entre a dezena votada) sobre o dever de colaboração. Foi aprovada a proposta de alteração do PS (apenas com o voto contra do CDS) que obriga todas as entidades públicas e privadas a colaborar com a justiça “facultando documentos e prestando as informações e os esclarecimentos solicitados de modo devidamente justificado em função da competência a exercer, nos limites da lei, sem prejuízo dos regimes de sigilo aplicáveis”. Ora, os sindicatos contestam a inclusão da necessidade de justificação, alegando que tal pode servir de escapatória.

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