Açores declaram guerra à abstenção e defendem recompensas para quem vota

Arquipélago tem-se destacado pela fraca participação eleitoral. Governo regional diz que chegou a hora de agir contra aquele “perigo” para a democracia.

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Vasco Cordeiro Rui Soares

O presidente do governo regional açoriano, Vasco Cordeiro, chamou-lhe “problema sistémico” e os números não o desmentem. Os Açores têm sido sucessivamente a região do país onde a taxa de abstenção é mais elevada e o executivo açoriano considera que chegou a hora de agir contra este “verdadeiro perigo para a democracia”.

Com os resultados de 26 de Maio bem presentes – 81,29% dos inscritos nos cadernos eleitorais do arquipélago não votaram nas europeias (na Madeira, a abstenção foi de 61,46%, um pouco abaixo do global nacional, 69,27%) –, Cordeiro reservou a parte final do discurso do Dia dos Açores, assinalado no início da semana passada, para apontar ideias para promover a intervenção democrática no arquipélago.

Primeiro, avançou com iniciativas concretas que estarão no terreno até ao final do ano. Uma “campanha de promoção cívica” junto dos alunos do ensino secundário e profissional da região, e um “projecto-piloto” que vai permitir que as propostas legislativas regionais passem por um período de audição pública antes de serem discutidas em Conselho de Governo. Depois, lançou algumas ideias para um debate, que considera urgente.

“Entendemos também que se torna necessário ir mais longe, porventura, mais longe até do que as possibilidades constitucionais e estatutárias de intervenção da região”, disse Vasco Cordeiro, considerando ser dever do presidente do governo regional “contribuir” para uma reflexão em torno da abstenção. Assim, e com a clara “intenção de suscitar o debate”, o chefe do executivo açoriano defende um “contrato de cidadania” que, não estando assente no voto obrigatório, valorize socialmente aqueles que votam.

“Essa valorização pode acontecer nas mais variadas componentes da intervenção do Estado ou dos serviços que o mesmo presta, desde a área fiscal à área social.” A ideia passa não por penalizar quem não vota mas sim por premiar os cidadãos que tenham um historial de participação eleitoral.

Como? Exemplos não faltam. Na Colômbia o “certificado eleitoral” dá direito a descontos na renovação de documentos e nas matrículas no ensino superior, entre outros benefícios. Existem em Portugal incentivos para determinados comportamentos, como a dávida de sangue, com os dadores a ficarem isentos do pagamento de taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde.

“A ideia base parte da consideração de não ser adequado ou justo tratar da mesma forma o cidadão que tem um historial regular de participação eleitoral e, portanto, de participação na vida da comunidade politicamente organizada, face ao cidadão que, consciente e livremente, abdicou dessa participação”, sustenta Vasco Cordeiro. Uma solução pela positiva, que “não lave as mãos com a estatística em noite eleitoral”, antes valorize o cidadão “comprometido” com a vivência política da comunidade. “Não retira nada a ninguém, mas acrescenta a quem participa, a quem contribui pelo seu voto.”

Cordeiro, que nos últimos anos tem abordado reiteradamente esta questão nas intervenções oficiais no Dia dos Açores, defende também uma “corajosa intervenção administrativa” para combater a abstenção técnica e rejeita a “visão maniqueísta” de que o problema reside apenas num dos “sujeitos da relação política”, embora reconheça que existirá sempre margem para melhorar o diálogo entre políticos e eleitores.

Para já, o governo açoriano avança com as duas medidas mais pragmáticas já referidas. “A primeira consiste numa iniciativa de fortalecimento da democracia participada e de proximidade especialmente dirigida aos jovens, enquanto condição para que se possa inverter a curva da abstenção real nos Açores a médio prazo.” A ideia de Vasco Cordeiro é mobilizar todos os partidos com representação no parlamento açoriano para irem ao encontro da futura geração de eleitores. Indo a todas as escolas, socorrendo-se de meios tecnológicos apelativos e sendo “persistentes no tempo e consistente nos conteúdos”.

Por outro lado, o executivo socialista de Cordeiro aposta no reforço da transparência, chamando os cidadãos a participar. A pronúncia pública sobre os diplomas será concretizada através da disponibilização online das propostas legislativas, por um período de 30 dias antes de serem agendadas para o Conselho de Governo. Esta apreciação, não tendo carácter de veto, terá impacto político na forma como a proposta chegará depois ao parlamento.

Tudo para inverter a curva da abstenção, que nos últimos anos tem sido sempre ascendente, sempre colocando os Açores na liderança do abstencionismo eleitoral. Nos últimos anos, a fraca participação eleitoral no arquipélago tem sido avassaladora. Foi assim nas autárquicas de 2017, 46,55% (um pouco acima da média nacional, 45,03%). Foi assim nas regionais de 2016 (59,16%) e foi assim nas presidenciais desse mesmo ano: 69,08%.

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