Professores dão origem a crise de nervos no Governo e no Parlamento

Início do processo de apreciação parlamentar do diploma sobre o tempo de serviço de professores arrancou nesta terça-feira em modo de dramatização.

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Professores acompanharam o debate nas escadrias do Parlamento Rui Gaudêncio
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Com a actual legislatura a aproximar-se do fim, o tempo é de dramatização em torno do que poderá vir a ser a grande derrota do Governo de António Costa destes quase quatro anos. Com os professores como pano de fundo, PS e PSD entraram nesta terça-feira em rota de colisão directa durante um debate inflamado no Parlamento a propósito do que fazer com a recuperação do tempo de serviço que esteve congelado.

A deputada social-democrata Margarida Mano foi clara no desafio: se não for este executivo a resolver o problema dos professores, será o PSD a fazê-lo, sendo este o seu “compromisso de Governo a partir de Outubro”. O remoque incendiou a bancada do PS, o que por sua vez levou os deputados sociais-democratas a interpelar os eleitos socialistas aos gritos.

Foi assim durante os cerca de 60 minutos que marcaram a estreia desta nova apreciação parlamentar a um diploma do Governo. O clima de dramatização começou pouco antes do debate parlamentar por via de uma notícia divulgada pela Rádio Renascença, dando conta de que o Governo ponderava demitir-se, no caso de o Parlamento votar a favor da contabilização dos nove anos, quatro meses e dois dias que são exigidos pelos professores. O executivo só aceitou contabilizar dois anos, nove meses e 18 dias desse tempo.

Pouco depois, fonte do gabinete do primeiro-ministro transmitia ao PÚBLICO que, mesmo que o Parlamento vote pela recuperação integral, “não está em causa a estabilidade do Governo”. O primeiro-ministro “está ciente da gravidade” de uma aprovação nesse sentido, mas uma demissão do executivo não foi ponderada por si, adiantou a mesma fonte.

Mas uma fonte da bancada parlamentar confirmou que a possibilidade de demissão estava a ser ponderada e que “tem sido um assunto discutido no seio do Governo”. Nomeadamente, porque a decisão a favor da recuperação integral do tempo de serviço corresponde a um aumento da despesa que é considerado “insustentável”.

Desfecho antes de 15 de Maio?

O desfecho da apreciação parlamentar do diploma em que o Governo consagrou a recuperação de apenas cerca de três anos do tempo de serviço dos professores deverá ser conhecido até 15 de Maio, data em que o Parlamento suspende os seus trabalhos por causa das eleições europeias.

Só uma coisa é certa: os cinco partidos que entregaram propostas de alteração ao diploma do Governo (PSD, CDS, BE, PCP e Verdes) querem ver consagrado na lei o tempo que deve ser recuperado e todos coincidem nos nove anos, quatro meses e dois dias.

O entendimento por agora acaba aqui. BE, PCP e Verdes incluíram nas suas propostas um calendário para que a recuperação seja feita na íntegra, que se estende até 2025, seguindo o modelo aplicado nos Açores e na Madeira.

Já o PSD e o CDS remetem a definição de um novo modelo para novas negociações entre o Governo e os sindicatos, acautelando que o modo como se fará a contabilização deverá ter em conta “as condições económico-financeiras do país”.

O PCP e o BE têm garantido o apoio parlamentar ao Governo socialista. O que não impediu a deputada bloquista Joana Mortágua de dizer isto sobre a proposta do PSD:” Remeter para negociações com quem já provou não querer negociar é deixar a carreira dos professores nas mãos de Centeno”.

Mas Mortágua também atirou contra o executivo de Costa. “O Governo falhou no respeito aos professores quando impôs uma solução que rouba seis anos de tempo de serviço e provoca uma avalanche de ultrapassagens. Uma trapalhada”, disse.

Da parte do PCP a abordagem foi mais pragmática. A deputada comunista Ana Mesquita reiterou que o Parlamento está em condições de encontrar uma “solução definitiva” para a recuperação do tempo de serviço, um problema que se arrasta há mais de ano. Ana Mesquita disse ainda esperar que tal seja feito através de uma “maioria expressiva” e de um “processo célere”, de modo a que tudo esteja concluído antes de 15 de Maio.

Antes do início do debate, o líder da Federação Nacional de Professores Mário Nogueira expressou a mesma esperança. Conta ainda que no debate que seguirá nos próximos dias na comissão parlamentar de Educação, seja possível chegar-se a “uma solução” que não os empurre de novo para negociações com este Governo, já que a experiência em curso desde o final de 2017 foi “desgraçada”.

Apesar de tudo, Nogueira admitiu que, se não for possível ir mais além, o que é proposto pelo PSD e CDS é “preferível” ao que foi aprovado pelo Governo, uma vez que ficará consagrada a recuperação integral do tempo de serviço. 

"Verdadeira patranha"

O ministro da Educação também optou, uma vez mais, por um discurso inflamado. Dirigindo-se ao PSD e CDS, Tiago Brandão Rodrigues, acusou-os de estarem a mostrar “um terrível oportunismo político” ao defenderem agora a recuperação integral do tempo de serviço, quando antes se opuseram ao descongelamento das carreiras.

“O que o PSD nos traz aqui não é esperança, mas sim uma verdadeira patranha”, disse também.

 À secretária de Estado da Administração e Emprego Público, Fátima Fonseca, que representou as Finanças no debate desta terça-feira, coube uma das intervenções mais calmas da tarde, apesar de ser toda ela sobre as contas a que o Governo chegou quanto ao impacto da recuperação do tempo de serviço e que têm sido contestadas tanto pelos sindicatos, como pelos partidos à esquerda e à direita do PS.

Fátima Fonseca alertou que o que vier a ser decidido pelo Parlamento sobre os professores tem “necessariamente repercussão em todo o conjunto de carreiras fundadas no tempo”, ou seja, aquelas em que o tempo de serviço é um factor preponderante para a progressão. Para além dos professores são mais cinco.

As propostas de alteração ao diploma sobre o tempo de serviço dos professores levariam a “um aumento da despesa permanente com salários destas carreiras em 800 milhões de euros, dos quais 635 milhões para a carreira docente”, proclamou. E avisou que a solução encontrada pelo Governo “representa o esforço máximo que o país pode fazer sem colocar em causa outras medidas relevantes para todos os trabalhadores”.

Em causa, especificou, estarão 240 milhões de euros de despesa permanente que serão contabilizados a partir de 2021 por via da recuperação de parte do tempo de serviço dos professores e das outras cinco carreiras especiais.

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