Armadores internacionais contestam lei de combate à pirataria

Associação de armadores quer alterar proposta do Governo para a presença de guardas armados a bordo de navios da marinha mercante.

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Nelson Garrido

A proposta de lei de combate à pirataria, aprovada a meio de Janeiro pelo Conselho de Ministros, que viabiliza a presença de guardas armados a bordo de navios de bandeira portuguesa a navegar em zonas de alto risco, “não responde” aos problemas dos armadores registados no Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR).

A European International Shipowners Association of Portugal (EISAP), que representa os armadores internacionais com navios registados no MAR, tem-se desdobrado em contactos na Assembleia da República, sensibilizando os grupos parlamentares do PSD, PS e CDS para a necessidade de alterar a legislação.

“Entregámos a cada um dos partidos um memorando detalhado com aquelas que são as alterações que, a serem feitas, transformariam uma proposta que por agora é impraticável, numa boa lei”, diz ao PÚBLICO o porta-voz do EISAP, Gonçalo Santos.

Em causa, continua, está a “exigência” de os guardas armados serem portugueses, cidadãos da União Europeia ou naturais da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). A EISAP considera esta imposição um dos factores limitadores da lei. O outro é a obrigatoriedade dos prestadores de serviços terem sede num Estado-membro da União Europeia.

Estas exigências, afirma Gonçalo Santos, não constam em nenhuma lei, de nenhum Estado-membro. “Não fazem sentido, porque, simplesmente, são impraticáveis”, acrescenta, argumentando que a maioria dos prestadores de serviços desta área, que é altamente especializada, não cumpre estes requisitos. “É a mesma coisa que procurar campeões de esqui em países onde não neva. A intenção pode ser boa, mas não passará de uma intenção.”

Os mesmos argumentos servem para contestar a obrigação prevista na proposta de lei, de que estas empresas estejam sediadas em Portugal ou noutro país da União Europeia. “Mais uma vez, um requisito que pode estar eivado de boas intenções, mas que na prática, é impossível de cumprir, porque não existem empresas em número suficiente na União e porque não existe nenhuma em Portugal”, aponta a EISAP.

 A maioria das empresas está sediada nos Estados Unidos, Israel e Índia. Muitas estão também no Reino Unido, que, com o “Brexit”, ficariam impedidas de operar em navios com bandeira portuguesa. “Aquilo que a EISAP propõe é que a lei a ser aprovada em Portugal se aproxime daquelas que existem nos restantes países da União.”

Não está em causa, garantem os armadores, facilitismos. “Pelo contrário. Acreditamos nas boas práticas e acreditamos firmemente que o Estado, qualquer Estado, deve regulamentar a utilização de guardas armados, garantindo a inexistência de qualquer tipo de abuso”, vinca Gonçalo Santos, defendendo que Portugal adopte o modelo que já é seguido pelos restantes países europeus, reconhecendo as empresas de segurança e os respectivos operacionais que estejam certificados por outros estados da União. -“independentemente da sua nacionalidade”, insiste, ressalvando o “esforço” do Governo em legislar sobre esta matéria.

A EISAP vai participar na consulta pública na Assembleia da República, que decorre até ao final do mês, e está confiante que a proposta de lei vai ser melhorada. “Com o esforço do Governo e dos partidos, teremos certamente uma boa lei”, perspectiva a associação de armadores.

A presença de guardas armados a bordo dos navios é uma reivindicação antiga da EISAP. Com cerca de 600 navios registados no MAR, os armadores consideram esta legislação um factor de competitividade face a registos concorrentes, como o da Holanda ou Malta.

Quando o Governo anunciou a proposta enviada para São Bento, o Ministério do Mar sustentou a iniciativa com o “impacto” que terá na segurança de pessoas e bens, referindo que o 90% do comércio mundial assenta no transporte marítimo. “O regime a criar em resultado da autorização legislativa prevê que os armadores de navios nacionais possam, desde que atravessem áreas de alto risco de pirataria, contratar empresas de segurança privada para a prestação de serviços de segurança a bordo com recurso a armas e munições adequadas à protecção dos navios”, sintetizou o ministério, assegurando que a segurança pública será garantida através deste quadro legal.

De acordo com o último relatório anual do International Maritime Bureau (IMB) da International Chamber of Commerce (ICC), a pirataria aumentou em 2018. Foram registados 201 incidentes de pirataria, contra os 180 ocorridos no ano anterior. O Golfo da Guiné voltou a ser a zona de maior risco para a navegação, num ano em que seis navios foram sequestrados, 143 invadidos, 18 atingidos por disparos de armas de fogo e outros 34 sofreram tentativas de ataque.

Ao longo do ano, 141 tripulantes foram feitos reféns, 83 foram sequestrados, oito ficaram feridos e nove ameaçados. Em 2017, os 180 incidentes provocaram a morte a dois tripulantes.

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