Macron, o “alvo número um”, vai falar para "unir a nação"

Primeiro-ministro diz que há um diálogo em curso com os Coletes Amarelos. Mas falta ouvir o Presidente, que se pronuncia esta semana. Resta saber o que dirá e como.

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IAN LANGSDON/EPA

Emmanuel Macron não quis falar este sábado para não deitar achas para a fogueira dos protestos. Afinal ele tornou-se, como diz o diário Le Monde, no "alvo número um" do movimento. Em vez disso, como na última semana, o primeiro-ministro e ministro do Interior continuaram a dar a cara pela gestão da crise dos protestos dos Coletes Amarelos. 

O primeiro-ministro, Édouard Phillipe, anunciou, ao final do dia, que havia um “diálogo em curso” com representantes do movimento. “Está a decorrer um diálogo, no terreno, entre responsáveis políticos e representantes dos Coletes Amarelos, que começou ontem ao final da tarde, em Matignon [a residência oficial do primeiro-ministro], onde recebi cidadãos que quiserem exprimir a sua cólera e as suas reivindicações”, disse Édouard Phillipe, numa declaração aos jornalistas sem direito a perguntas.

“O Presidente vai-se pronunciar-se, e vai propor medidas para alimentar este diálogo e recuperar a unidade nacional e estar à altura dos desafios”, concluiu o primeiro-ministro.

A importância do tom

Mas, diz o comentador de política Douglas Herbert da estação de televisão France24, Macron “tem de dizer alguma coisa rapidamente”. Porque não é o primeiro-ministro que os franceses querem ouvir, é o Presidente.

“Há, claro, uma minoria de franceses que não querem ouvir o que Macron tem a dizer – tudo o que disser vai ser pouco, tarde, nunca será suficiente. Mas há muitos que estão a querer ouvir”, diz o analista. “E querem ouvir não só as palavras, mas também o tom. Macron disse uma vez que era importante saber ouvir, estas pessoas querem saber se é mesmo assim ou se foram apenas palavras vazias”.

Herbert referia-se a uma entrevista, agora lembrada pela The Economist, em que Macron disse que não foi feito para liderar em momentos de acalmia. “Se se quer levar um país a algum lado, tem de se avançar, quaisquer que sejam os custos. Não se pode desistir, não se pode cair numa rotina. Mas ao mesmo tempo, tem de se saber ouvir [os cidadãos]. Saber ouvir quer dizer reconhecer a sua quota-parte de raiva e sofrimento”.

A jornalista francesa Paulina Bock comentava, num artigo no site da televisão norte-americana NBC, que o Governo francês reagiu “em pânico” aos protestos, acumulando erros, desde fazendo “declarações insensíveis à violência policial, sem ter noção da indignação pública causada por estes erros”. 

O foco do Governo tem sido nos que causam distúrbios e violência. Na conferência de imprensa do final da tarde deste sábado, depois de o ministro do Interior, Christophe Castaner, se ter focado na actuação das forças policiais e na manutenção da ordem, com menção às armas apreendidas por exemplo, o primeiro-ministro começou por falar nos que causaram distúrbios, mas também referiu quem se manifestaram pacificamente e que seguiram o apelo de não se misturar com os violentos.

Inquéritos de opinião mostram um grande apoio, de 77%, ao movimento Coletes Amarelos, diz uma sondagem do jornal Le Figaro. Os protestos começaram há quatro semanas contra o aumento do preço do diesel – de que muitos franceses que vivem fora das grandes cidades dependem para trabalhar – e tornou-se num grito dos que querem ser ouvidos e tidos em conta.

O movimento, escreveu o analista norte-americano Benjamin Haddad no site Politico, “é maior do que a soma das suas partes”: “Tem a ver com poder de compra e qualidade de vida, tem a ver com a dignidade das pessoas, tem a ver com uma parte da sociedade, grande parte da qual vive em comunidades ‘periurbanas’, que se sente perdida e deixada para trás, quando as oportunidades estão em Paris”.

Numa entrevista publicada no site do jornal Le Point, o ministro das Relações Parlamentares, Marc Fresneau, disse que neste movimento há “uma sensação de se ter voltado ao ponto de partida de 2017”, quando nas eleições os franceses recusaram os partidos tradicionais, dizendo nas urnas: “Vocês falharam durante 30 anos, vamos experimentar algo diferente mais positivo e optimista”. Mas “18 meses mais tarde, tendo ou não razão, sentem que as coisas não avançaram suficientemente depressa”.

Quem representa os Coletes?

Parte da dificuldade será saber com quem falar. O movimento que pareceu surgir do nada, não tem filiações a organizações, nem a sindicatos, nem a partidos políticos. Um dos seus fundadores, Eric Drouet, disse mesmo que "o movimento não pode ter representantes – todo o movimento tem de falar".

Macron, disseram fontes do Eliseu ao site do jornal Le Parisien, seguiu atentamente o dia no Eliseu. “Para ele, não é um episódio como outros”, disse um conselheiro. Mas se é certo que Macron falará nos próximos dias, não está decidida nem a data nem o formato da sua comunicação. “Pretende-se um efeito-surpresa”, disseram as fontes.

Mas as fontes da presidência francesa foram logo dando o tom do que se poderá esperar de Macron. Ao anunciar o recuo do Governo no aumento do diesel, Phillipe disse que “não há imposto que valha pôr em risco a unidade do país”. Mas, ao Parisien, um conselheiro do Eliseu desvalorizou este voltar atrás - sublinhou que Macron não vai “desfazer dezoito meses de reformas”, como exigem as reivindicações dos Coletes Amarelos. “Ele não está aqui para se desviar do caminho. Está aqui para continuar a avançar.”

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