Implantes médicos: Infarmed garante que portugueses "podem estar tranquilos"

Implantes médicos como pacemakers, implantes mamários, próteses e aparelhos contraceptivos defeituosos têm provocado mortes em todo o mundo, segundo investigação jornalística.

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Paulo Pimenta

"Os portugueses podem estar tranquilos", garante o Infarmed, na reacção a uma investigação internacional que expõe falhas de segurança em dispositivos médicos como pacemakers, implantes mamários, próteses e aparelhos contraceptivos que terão matado milhares de pessoas um pouco por todo o mundo, devido à deficiente supervisão das entidades reguladoras.

Só no Reino Unido, entre 2015 e 2018, os reguladores receberam mais de 60 mil denúncias relacionadas com implantes defeituosos. Mas o problema atravessa fronteiras. Segundo a investigação conduzida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, que junta 252 jornalistas de 36 países, e que foi publicada este domingo em jornais como o britânico The Guardian, terá causado mais de 83 mil mortes só na última década.

O recurso a dispositivos defeituosos terá ainda provocado problemas diversos a mais de 1,7 milhões de pessoas. Entre outros motivos porque muitos destes dispositivos são aplicados aos doentes sem qualquer teste prévio em humanos. E, mesmo depois de terem sido retirados em determinados países por terem sido detectados problemas de segurança, continuam muitas vezes à venda noutros países.

Ao PÚBLICO, a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) garantiu, pela voz do seu assessor de imprensa, que "está atenta, como toda a rede europeia de vigilância de dispositivos médicos, aos problemas que ocorrem noutros países", e que "em Portugal o panorama tem sido muito tranquilo". 

"Os dispositivos médicos implantáveis enquadram-se na classe mais alta de perigosidade" e "é expectável, dado o número de implantes e o facto de estes serem colocados em pessoas cujo estado de saúde é grave", que "possam surgir alguns problemas". Mas, insistiu a mesma fonte, "na realidade portuguesa, são muito raros os problemas reportados". 

A Associação Portuguesa das Empresas de Dispositivos Médicos (Apormed) garantiu, entretanto, num comunicado, que "qualquer possível incidente ou efeito adverso com dispositivos médicos é encarado pelas empresas do sector de forma rigorosa e com elevado sentido de responsabilidade" e que o sector segue "de forma escrupulosa" todas as leis e normas portuguesas e europeias recomendadas.

Por detrás das falhas dos reguladores destes dispositivos médicos, está uma indústria muito competitiva que entrou em conflito com as autoridades e que usa o poder de influência para pressionar os reguladores, acelerar autorizações e baixar os padrões de segurança mínimos dos dispositivos. De acordo com a investigação, os fabricantes terão pago cerca de 1,6 mil milhões de dólares desde 2008 para corromper, pressionar os reguladores de um mercado em contínuo crescimento.

Nalgumas zonas do globo, a supervisão destes dispositivos é muito duvidosa. Dezenas de países africanos, mas também asiáticos e sul-americanos, não têm um sistema de regulação específico para dispositivos médicos e confiam nas autoridades europeias e norte-americanas. Mas, mesmo aqui, a investigação revelou que os aparelhos são aprovados à pressa pelos reguladores e, por outro lado, quando são detectados defeitos, os aparelhos não são retirados dos hospitais com a rapidez que seria necessária.

Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de 500 mil pessoas tiveram de ser submetidas a uma nova cirurgia para retirar os implantes que, em vez de melhorarem a sua saúde, a punham em risco. Mas o universo de queixas endereçadas às autoridades norte-americanas é muito superior: chega aos 5,4 milhões, relacionadas com dispositivos que romperam, se partiram, estavam corroídos ou falharam no seu propósito.

No estado do Tennessee, nos Estados Unidos, corre um processo nos tribunais intentado pelos familiares de um paciente que morreu depois de um pacemaker ter tido problemas de bateria - necessária para produzir os choques necessários para manter o batimento cardíaco. O aparelho foi entretanto retirado do mercado por causa da sua bateria defeituosa, mas, antes disso, terá sido implantado a cerca de 350 mil doentes.

Na África do Sul, os jornalistas falaram com uma doente que aguarda que lhe retirem um implanta na bexiga que se destinava a travar a sua incontinência urinária mas que acabou por lhe provocar dores abdominais excruciantes, numa queixa que terá sido replicada por cerca de 100 mil doentes, um pouco por todo o mundo.

Mais perto, uma versão de um desfibrilhador implantável fabricado pela Medtronic – empresa de tecnologia médica com implantação também em Portugal -, chamada Sprint Fidelis e colocada em cerca de 268 mil doentes entre 2004 e 2007, terá provocado a morte de duas mil pessoas, algumas das quais em França, devido a descargas indevidas, aponta ainda a investigação. O dispositivo acabaria por ser retirado do mercado e concluiu-se que não tinha sido testado, tendo passado pelas entidades reguladores como uma nova versão de um dispositivo semelhante que fora aprovado uma década antes.

Sem responder a perguntas especificas sobre o Sprint Fidelis, a empresa líder mundial afiançou que nenhum aparelho é colocado no mercado sem a devida aprovação e que a sua monitorização continua, mesmo após a sua entrada no mercado.

Ao The Guardian, o presidente do Real Colégio de Cirurgiões, Derek Alderson, afirmou que os incidentes registados evidenciam a necessidade de “drásticas mudanças na regulação”, incluindo a introdução de um registo obrigatório em todos os dispositivos médicos. “Ao contrário dos medicamentos, muitas inovações cirúrgicas são introduzidas sem ensaios clínicos ou evidência científica centralizada”, declarou aquele responsável.

A necessidade é tanto mais premente quanto o envelhecimento se tornou uma realidade à escala global. As pessoas com 65 ou mais anos de idade deverão aumentar mais de 60% para um mil milhão de pessoas por volta de 2030, segundo as previsões demográficas citadas na investigação, segundo a qual, em 2018, esta indústria vendeu para cima de 400 mil milhões de dólares. 

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