Marcelo: veto de Cavaco a Saramago foi “falta de senso” e de “gosto”

Pazes do PSD com o escritor foram por ele feitas, depois da oposição à candidatura de O Evangelho segundo Jesus Cristo ao Prémio Literário Europeu.

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LUSA/ANTóNIO COTRIM

O Presidente da República classificou esta segunda-feira de “falta de senso e falta de gosto” o veto governamental, em 1992, da candidatura da obra de José Saramago O Evangelho segundo Jesus Cristo ao Prémio Literário Europeu.

Na sua intervenção, em Coimbra, na abertura do congresso que celebra os 20 anos da atribuição do Prémio Nobel de Literatura a José Saramago (anunciado em 8 de Outubro de 1998), Marcelo Rebelo de Sousa lembrou as variadas vezes que se cruzou com o escritor e com a companheira deste, Pilar del Río, ao longo da vida, “umas ocasionais, outras intencionais”.

“Cruzámo-nos naquele dia de Outubro de 1998, sendo eu líder de um partido [o PSD] cujo Governo tinha sido motivo invocado para que José Saramago zarpasse de terras de Portugal para ilhas espanholas”, disse o chefe de Estado, aludindo ao episódio de veto atribuído pelo subsecretário de Estado da Cultura, do Governo de Cavaco Silva, António Sousa Lara, à obra de Saramago.

O Presidente da República revelou que as pazes do PSD, que então liderava, foram seladas com o escritor, nesse dia, seis anos depois do episódio que levou Saramago a “exilar-se” em Espanha: “Nesse dia (...) atravessei uma praça madrilena para ir dar um abraço a José Saramago, pondo assim fim àquilo que era uma falta de senso e falta de gosto ao mesmo tempo, em termos de vivência na sociedade portuguesa.”

Mais tarde, em 2004, por causa de um “episódio” que não especificou – mas que estará relacionado com a sua saída de comentador da TVI, na sequência de alegadas pressões do Governo do PSD então liderado por Pedro Santana Lopes – Marcelo Rebelo de Sousa disse ter recebido a solidariedade de José Saramago.

O chefe de Estado lembrou ainda que se cruzou com Saramago quando ambos eram autarcas em Lisboa – o escritor presidiu à Assembleia Municipal durante poucos meses, em 1990, quando o actual Presidente da República era vereador da oposição no executivo liderado por Jorge Sampaio – e, outra vez, na apresentação de uma das suas obras “mais polémicas”, Ensaio sobre a Lucidez, feita por Marcelo e pelo então Presidente da República Mário Soares, numa sessão que também contou com o antigo reitor da Universidade de Lisboa José Barata Moura.

“Também nos descruzámos várias vezes, a vida é feita de cruzamentos e descruzamentos”, declarou o chefe de Estado.

O episódio da procuradora

As declarações desta segunda-feira surgem poucos dias depois de Marcelo Rebelo de Sousa sugerir que Cavaco não teve "sentido de Estado" ao comentar aquilo que é uma função presidencial: a nomeação do procurador-geral da República.

Cavaco classificou a não recondução de Joana Marques Vidal como a "decisão mais estranha do mandato da geringonça". Marcelo corrigiu Cavaco ("Quem nomeia a procuradora são os presidentes, não os governos") e, afirmando que não comenta ex-presidentes, acabou mesmo por comentar o comportamento de Cavaco, sugerindo que ele não teve sentido de Estado.

“Perante isso eu tenho sempre o mesmo comportamento. Entendo, que, desde que tenho estas funções, não devo comentar nem ex-presidentes, nem amanhã quando deixar de o ser, futuros presidentes. Por uma questão de cortesia e de sentido de Estado”, afirmou aos jornalistas.

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