Um ano depois, onde pára o icebergue que se soltou na Antárctida?

O enorme bloco de gelo se soltou da Antárctida em Julho de 2017 andou à deriva, quase sem sair do lugar, mas agora parece estar finalmente em movimento.

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A fissura no gelo ocorreu meses antes da cisão a 12 de Julho de 2017 John Sonntag/NASA/REUTERS

A maioria das pessoas já nem se deverá lembrar das notícias de Julho do ano passado, que falavam sobre o desprendimento do um imenso icebergue da plataforma Larsen C, na Antárctida Ocidental. Passaram mais de 13 meses em que o bloco de gelo não terá feito muito mais do que andar para trás a para a frente quase no mesmo lugar. Mas agora, segundo a BBC, o extremo Sul do A-68, nome dado ao icebergue, rodou cerca de 90 graus, indicando que terá sido apanhado nas correntes das águas geladas. Ou seja, deverá começar a mover-se. Para onde? Para norte e para águas mais quentes.

"Até há pouco tempo, o iceberg era cercado por um denso mar de gelo a leste e águas rasas a norte. Agora, um forte vento soprando para leste da plataforma de gelo empurrou, no início de Setembro, a extremidade sul do iceberg para o giro de Weddell [no oceano Antártico]. Este movimento persistente das águas oceânicas e gelo, flutuando para o Norte passando pela plataforma de gelo Larsen, fez com que o A-68 se deslocasse para o mar de Weddell”, refere Adrian Luckman da Universidade de Swansea, no Reino Unido, citado pela BBC. Agora sim, o icebergue estará mais livre para começar a movimentar-se e dirigir-se para águas mais quentes.

O A-68 foi baptizado pelo Centro Nacional do Gelo norte-americano, a letra corresponde a um local no mapa da Antárctida e o número a uma sequência definida por esta entidade. Segundo os especialistas, a história do icebergue e o facto de praticamente não ter saído do lugar não é invulgar. A viragem também é, dizem, um “comportamento” comum dos grandes icebergues. E ao que tudo indica a sua viagem, daqui para a frente, vai deixar um rasto com marcas no sedimento do leito do mar. “Esses vales devem ser evidentes nas observações com sondas que serão conduzidas por equipas internacionais no final deste ano”, adianta a BBC.

Apesar de ter perdido algumas arestas durante o ano que passou, o A-68 permanece praticamente do mesmo tamanho, com 150 quilómetros de comprimento e 55 quilómetros de largura, uma espécie de Algarve em bloco de gelo. Entre os dois maiores pedaços de gelo que perdeu no caminho, um deles era suficientemente grande para merecer uma alínea própria, passando a designar-se como A-68b na lista de icebergues que é actualizada pelo Centro Nacional de Gelo dos EUA. Esta instituição colocou o A-68 em sexto lugar da lista dos maiores icebergues.

O futuro deste popular icebergue não é animador. O mais provável é que se desfaça em fragmentos ao longo do caminho. Se tudo correr como o previsto, dentro de alguns anos, os pinguins e focas da ilha Geórgia do Sul, pertencente ao Território Ultramarino Britânico, podem ver alguns pedaços do A-68 a passar à sua frente.

Desde o início, que se sabia que a viagem do icebergue iria demorar vários meses. “Os icebergues nesta área tendem a andar à deriva ao longo da costa [da península], depois curvam para leste à medida que entram no mar alto. Provavelmente demorará um ano ou dois para o icebergue chegar tão longe, e vai derreter um pouco, à medida que faz este percurso. Também é muito provável que se vá desfazendo – já se quebrou um pedaço pequeno a norte do bloco”, referia em Julho de 2017 Martin O'Leary, um dos cientistas do Projecto Midas, da Universidade de Swansea, no País de Gales (Reino Unido), que reúne um grupo de investigadores que acompanham a evolução da plataforma Larsen C há vários anos.

Numa sessão de perguntas e respostas na página do Twitter do projecto, o especialista explicou que “icebergues deste tamanho são um evento pouco frequente, mas natural”, tendo sublinhado que os investigadores não estão muito preocupados com as possíveis consequências. “Tanto quanto podemos dizer, este fenómeno não terá grandes impactos negativos na plataforma de gelo”, disse. E sobre a possibilidade de algum navio chocar com o bloco de gelo, Martin O'Leary também desdramatizou: "É muito improvável que algum navio choque com o icebergue, a menos que o fizesse deliberadamente. Actualmente, seguimos os icebergues por satélite e, por isso, os navios sabem como os evitar. Por outro lado, o mar de Weddell não é propriamente uma zona com muito movimento de navios."

Martin O'Leary lembrou ainda que este é um dos maiores icebergues registados pelos investigadores, mas não é o maior. “O maior que registámos é o icebergue B-15, que se soltou da plataforma de gelo de Ross em 2000. Tinha 11.000 km2, ou seja, era quase o dobro do A-68. Andou à deriva por alguns anos e gradualmente foi-se partindo – ainda existem alguns pedaços dele a flutuar por aí”, disse.

A separação do icebergue da plataforma Larsen C não foi uma surpresa. O risco de cisão e desprendimento já vinha a ser apontado durante os últimos meses, devido ao rápido crescimento da fissura que separava o bloco e a plataforma de gelo. Já se sabia que quando este bloco de gelo se soltasse, a plataforma Larsen C perderia mais de 10% da sua área; daqui resulta que a frente de gelo fica na posição mais recuada de sempre. “Este fenómeno vai mudar de forma fundamental a paisagem da Península Antárctica”, alertaram os investigadores do Projecto Midas, que seguem a lenta viagem do enorme pedaço de gelo.

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