Lei de preferência a inquilinos pode tropeçar em Belém

O diploma só chega na quinta-feira às mãos de Marcelo, mas é provável que tenha o mesmo destino das leis da identidade de género e da Uber: um veto político. As novas versões destas duas leis já estão na Presidência para promulgação.

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Marcelo vai decidir nos próximos dias sobre as leis da Uber, de mudança de sexo e do direito de preferência LUSA/MIGUEL A. LOPES

O Presidente da República ainda não decidiu o destino da lei que garante o exercício do direito de preferência pelos arrendatários em caso de compra dos imóveis por inteiro, aprovada pela esquerda a 18 de Julho e que Catarina Martins usou como argumento para defender Ricardo Robles no passado sábado. Mas o veto político é uma forte possibilidade, apurou o PÚBLICO.

O diploma só deve chegar a Belém na quinta-feira, passados os três dias regulamentares para reclamações após a publicação em Diário da Assembleia da República, pelo que a Presidência considera “prematuras” as notícias – publicadas no Diário de Notícias e no jornal i – sobre o seu “chumbo”, disse ao PÚBLICO fonte oficial.

Se é certo que os serviços jurídicos de Belém têm dúvidas sobre se o diploma não colide com o direito de propriedade consagrado na Constituição, o envio da lei para o Tribunal Constitucional estará fora de causa neste momento. O Presidente, ele próprio constitucionalista, tem preferido sempre recorrer ao veto político quando não está de acordo com os diplomas, devolvendo-os ao Parlamento e assim dando aos deputados uma segunda oportunidade para os reavaliar.

Foi o que aconteceu nos últimos meses, por exemplo, com as leis da mudança de sexo e das plataformas de transportes como a Uber a Cabify, cuja segunda versão após o veto chegou esta terça-feira a Belém para nova reavaliação – e sobre as quais Marcelo vai decidir primeiro.

O veto político e devolução ao Parlamento é, pois, o provável destino do diploma que garante o direito de preferência aos inquilinos mesmo nos casos em que o prédio, por não estar em propriedade horizontal, é vendido por inteiro. Neste caso, Marcelo Rebelo de Sousa pode ter como argumentos, não apenas a questão constitucional da limitação do direito de propriedade – o que implicaria, só por si, um pedido de fiscalização preventiva ao Tribunal Constitucional -, mas também o facto de estar em discussão no Parlamento, neste momento, um amplo pacote de medidas relativo à habitação e arrendamento, podendo aconselhar uma análise sistémica de todas as medidas.

Por outro lado, o chefe de Estado poderá sempre argumentar que os inquilinos mais frágeis estão já acautelados, depois de ter promulgado no início do mês, sob as críticas dos proprietários, o diploma que suspende temporariamente (até Março de 2019) os despejos de inquilinos em situação vulnerável, idosos a partir de 65 anos e cidadãos com elevado grau de deficiência, invocando "razões sociais”. 

Proprietários recorrem a provedora

A Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) lamentou logo na altura a decisão do Presidente e já nesta terça-feira reuniu-se com a provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, para lhe solicitar que avance com um pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade do diploma.

“Na prática, esta decisão torna vitalícios, entre outros, os contratos celebrados até 2003 — 13 anos depois da aprovação do RAU, no primeiro Governo de maioria absoluta de Cavaco Silva, que determinou a existência de contratos de arrendamento de prazo certo de cinco anos, e que nunca foi alvo de alteração pelos vários governos que lhe sucederam”, argumenta a ALP num comunicado enviado à imprensa

Para a ALP, “é líquido que nenhum contrato de arrendamento será celebrado em Portugal por um prazo superior a um ano, por falta de confiança, e que inquilinos de meia-idade (acima e abaixo de 65 anos) terão muita dificuldade em encontrar uma solução de arrendamento, sob a ameaça de esses contratos se tornarem vitalícios, pois o precedente já foi criado com as consequências desastrosas que se adivinham”.

Por isso, e receando o pacote que está em avaliação no Parlamento, a ALP fala numa “sentença de morte sobre o mercado de arrendamento”. “Os preços do arrendamento, motivados pela retracção na oferta causada pela desconfiança dos proprietários, conjugada com um aumento da procura, decorrente da crescente atractividade dos centros urbanos, vão continuar a escalar exponencialmente, e criar a mais grave crise habitacional de que há memória no país”, argumentam.

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