Ilha de Santa Maria confirmada como bom local para lançar foguetões na Europa

Relatório elaborado para a Agência Espacial Europeia conclui que uma base de lançamento de pequenos satélites nos Açores é viável do ponto de vista técnico e económico. Do meio do Atlântico poderão vir a fazer-se cerca de 12 lançamentos por ano, estimam os especialistas, que esperam por apoio institucional que coloque Portugal no clube exclusivo das oito nações mundiais com acesso ao espaço.

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Ilha de Santa Maria, Açores Rui Soares

É já o segundo relatório que aponta para a ilha de Santa Maria, nos Açores, como um local privilegiado para lançar pequenos foguetões que levem para o espaço (também pequenos) satélites. Se o primeiro estudo tinha sido encomendado pelo Ministério da Ciência português à Universidade do Texas, em Austin (EUA), o novo relatório resultou de um concurso lançado pela Agência Espacial Europeia (ESA) para análise da viabilidade técnico-económica de pequenos foguetões na Europa. Elaborado pela empresa portuguesa Deimos Engenharia, em parceria com a Orbex, empresa com sede no Reino Unido que está a desenvolver um pequeno foguetão, o novo relatório confirma a ilha de Santa Maria como um sítio favorável para este tipo de operações na Europa. E até já propõe que descole dos Açores o foguetão que a Orbex está a desenvolver – o Prime.

Mais exactamente, o novo relatório, tal como o anterior, propõe o sítio de Malbusca como local para um centro de descolagens espaciais nos Açores.

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Malbusca, o local na ilha de Santa Maria onde incidiu o novo estudo Demos Engenharia

“Este local é viável do ponto de vista técnico e económico”, começa por dizer ao PÚBLICO Nuno Ávila, director-geral da Deimos Engenharia. “Apresenta condições climáticas muito favoráveis face a outras alternativas na Europa – na Noruega, Suécia e na Escócia. Do ponto de vista da segurança, também tem condições excepcionais: os lançamentos seriam para sul, onde só temos oceano. Na Noruega e Suécia tem de se sobrevoar território onde há população. E na Escócia tem de haver manobras para se evitarem as ilhas Faroé”, acrescenta Nuno Ávila. “Do ponto de vista logístico, a ilha de Santa Maria é muito boa, tem acessibilidades por mar e pelo ar. Tem uma pista com três quilómetros e tal, tem um porto de mar gigantesco. Têm de transportar partes dos foguetões, para serem montados localmente, e os satélites e os combustíveis também têm de chegar aí.”

Estas conclusões resumidas por Nuno Ávila constam de um sumário-executivo do relatório, que se pode consultar agora em papel nos escritórios em Lisboa da Deimos Engenharia – mas o próprio relatório, de mais de mil páginas, é confidencial e foi entregue esta semana à ESA. Foi um dos cinco estudos que decorreram em paralelo no concurso lançado pela ESA para analisar a viabilidade técnica e económica de levar a cabo lançamentos de pequenos foguetões na Europa. E, no seu caso, olhou em detalhe para a ilha de Santa Maria e o sítio de Malbusca. “Este local oferece condições muito atractivas a nível europeu. Na Europa não há muitos sítios para se fazerem lançamentos”, nota ainda Nuno Ávila, dizendo que a sua empresa já estuda a ilha de Santa Maria há alguns anos.

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Nuno Ávila, director-geral da Deimos Engenharia

Estamos a falar do lançamento de foguetões (ou lançadores, na gíria aeroespacial) que transportam satélites até 200 quilos, para órbitas baixas, abaixo dos 500 quilómetros da Terra. “Estes pequenos lançadores são de baixo custo, os próprios satélites são de baixo custo. É a grande tendência do mercado”, diz Nuno Ávila. Um mercado que, segundo o sumário-executivo, em 2017 atingiu um número recorde de 328 pequenos satélites lançados.

Neste estudo, a Deimos Engenharia e a Orbex olharam para a procura mundial dos serviços de pequenos foguetões, para lançar pequenos satélites, a concorrência existente e as condições logísticas e de segurança, entre outras. Partindo daí, e traçando cenários para a evolução deste mercado, uns mais optimistas, outros mais pessimistas, chegaram a uma estimativa de quantos lançamentos poderão vir a fazer-se por ano dos Açores – cerca de 12. “Fez-se uma avaliação ao mercado global e um filtro para o que é realista lançar-se dos Açores (do ponto de vista técnico, político, etc.). Em seguida, avaliou-se a concorrência (…) e conclui-se que existem boas possibilidades de negócio.”

Neste momento, o processo mais avançado para fazer lançamentos de pequenos foguetões do continente europeu é o da Escócia, na península de A'Mhoine. A Orbex acaba de vencer um prémio (tal como a Lockeed Martin) para desenvolver um foguetão, neste caso o Prime, no contexto da criação de um porto espacial na Escócia, refere um comunicado da empresa portuguesa. E a Deimos, acrescenta Nuno Ávila, já é também um dos investidores da Orbex.

Para fazer os lançamentos espaciais da Europa, o sítio mais perto fica actualmente em Kourou, na Guiana Francesa, na América do Sul. O foguetão mais pequeno da Europa em operação hoje é o Vega, que transporta 1500 quilos, enquanto o Ariane 5, também da Europa, já é um grande foguetão, capaz de levar lá para cima 15.000 quilos. Além disso, os satélites pequenos têm de ficar à espera de “boleia” em foguetões grandes de agências espaciais, como a NASA e a ESA e das suas congéneres russas, chinesas indianas ou japonesas.

“Os satélites tornaram-se mais pequenos, mas os veículos de lançamento não. Por isso, os operadores de pequenos satélites têm de esperar por uma vaga conveniente num veículo grande ou arranjar um lançamento partilhado com muitos outros satélites pequenos”, lê-se no sumário do relatório. “São lançados quando é possível, nas órbitas possíveis e por preços por vezes demasiado altos – nada disto é compatível com as necessidades destes pequenos satélites. Isto abre um novo mercado, em que os satélites pequenos são lançados em lançadores pequenos, quando querem, na órbita pretendida e por um preço adequado a este mercado”, sublinha-se por sua vez no comunicado.

Deimos chega-se à frente

“Um dos objectivos da Deimos é criar condições para a operação de lançadores que queiram tirar partido da região, propondo para os Açores um ‘porto espacial’ pequeno, limpo e seguro. A combinação do lugar da Malbusca com lançadores de dimensões e tecnologias de propulsão limpas, como é o caso do Prime, e outros da mesma natureza, é ideal”, refere ainda o comunicado. “Este porto espacial colocará Portugal no clube exclusivo das oito nações mundiais com acesso ao espaço, e será o único porto espacial da União Europeia a menos de 1500 quilómetros da Europa continental (Kourou, o actual centro de lançamentos da ESA, está a mais de 7000 quilómetros de Paris).”

No entanto, o estudo aponta que Malbusca como local candidato a lançamentos espaciais tem “dimensões limitadas”. Anda assim, é considerado claramente suficiente para ter uma rampa de lançamento. “Mas uma rampa pode comportar mais do que um foguetão. É possível operar dois ou mais lançadores em sequência, desde que a calendarização seja bem gerida”, responde Nuno Ávila.

E como o espaço é limitado, a segurança, frisa o sumário do relatório, é da máxima importância. “Foi realizada uma avaliação minuciosa com um painel externo independente para o caso do lançador da Orbex. Concluiu-se que no pior cenário credível não haveria qualquer impacto na população local, que está concentrada a 1,3 quilómetros do local candidato a lançamentos”, lê-se.

A segurança já era um dos aspectos tidos em conta no relatório da Universidade do Texas, divulgado em Fevereiro deste ano. Entre os quatro locais com melhor pontuação para receber um centro espacial – Fajã Lopo Vaz (na ilha das Flores), sítio de Ponta Delgada (na ilha das Flores), Estação Loran da NATO (na ilha de Santa Maria) e lugar da Malbusca –, ganhou Malbusca. Além das condições de segurança, destacava-se a amplitude e orientação do seu “corredor de lançamento”, considerando que Malbusca era “tecnicamente viável”, ainda que se ressalvasse a necessidade de mais estudos centrados em questões específicas como a viabilidade financeira do projecto, a própria segurança ou o impacto ambiental.

Para Nuno Ávila, a Europa irá ter rapidamente pequenos foguetões, para se manter competitiva em relação aos Estados Unidos  e à China. “Esses lançadores requerem uma base de lançamento na Europa, que todos os países querem ter, porque lhe confere soberania de acesso ao espaço”, considera, citado no comunicado, o responsável da Deimos Engenharia. “Portugal tem uma rara geografia que reúne condições para este tipo de actividade – há mais um ou dois locais na Europa que podem ser considerados. É uma corrida.”

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Ilustração artística do lançamento do foguetão Prime Orbex

E, em seguida, Nuno Ávila deixa a propósito desta corrida alguns avisos à navegação política em Portugal sobre o espaço. “É de todo interesse agir já, com passos consistentes e coordenados entre a indústria e as instituições, e estabelecer rapidamente a posição nacional através dos primeiros interessados, se queremos estar a voar em três anos.”

Também Chris Larmour, director-executivo da Orbex, deixa claro as intenções para os Açores e nota que, antes de mais, é uma questão política. “Os Açores são o complemento ideal ao Reino Unido, onde o estabelecimento do porto espacial está mais avançado. Não só haverá clientes com preferência pelos Açores, como permitirá gerir os lançamentos que a empresa conta fazer à medida que a procura aumenta”, refere este responsável. “É importante que, tal como no Reino Unido, os apoios institucionais surjam atempadamente e que a regulamentação espacial portuguesa seja competitiva, como apontado no estudo para a ESA. A Orbex sempre considerou operar a partir de dois locais.  A razão por que Escócia acontece primeiro é muito devido à rapidez dos apoios institucionais.”

Ainda está a ser desenvolvido, mas o Prime terá cerca de 17 metros de altura, com dois andares, transportará cargas de até 200 quilos e, como dizem a Deimos Engenharia e a Orbex, poderia descolar tanto da Escócia como dos Açores. Está a considerar-se, segundo Nuno Ávila, fazer o primeiro voo deste foguetão daqui a três ou quatro anos – ou seja, lá para 2021 ou 2022. “Usa combustível líquido, fácil de transportar e compatível com o ambiente pristino dos Açores”, assinala ainda o sumário, acrescentando que neste estudo considerou-se uma variedade de aspectos ambientais, como as espécies protegidas, a contaminação, a água ou áreas geológicas protegidas, “e todas as conclusões foram positivas”.

Em suma, começam a aparecer os estudos sobre um centro espacial nos Açores, há foguetões a serem desenvolvidos, o que terá de se seguir é uma decisão política, seja ela qual for, e claro o dinheiro.

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