À procura de uma “História relacional que interroga toda a sociedade”

Desde a publicação do livro bilíngue Writing Women's History in Southern Europe, 19th-20th Centuries. Écrire l'histoire des femmes en Europe du Sud, XIXe-XXe siècles, que coordenei com a historiadora alemã Gisela Bock, passaram 15 anos. Como sublinhávamos na introdução: “Este tema acarreta perguntas tanto como respostas: dar nota do que já foi alcançado, o que está por explorar e como proceder tendo em conta a multiplicidade de tópicos individuais e as diversas abordagens e perspetivas” (p. 1). Retomando essa abordagem, gostaria, de uma forma muito sucinta, mencionar algumas iniciativas relevantes nesta área de investigação. Não se trata de fazer um balanço historiográfico, apenas de mostrar “até que ponto o ‘género’ — como um termo, um conceito e uma perspectiva — foi mobilizado por historiadores dos países do Sul da Europa” (p. 3) focando-me, aqui, em Portugal. Hoje, o termo é amplamente utilizado nas Ciências Sociais: são inúmeros os encontros e as publicações que o mencionam. Apenas para citar um exemplo, na minha instituição — o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa — decorre todos os anos, em Maio/Junho, a semana “Falar de género” que tem por característica essencial a sua natureza interdisciplinar.

Se a palavra “género” entrou no domínio público, a sua mobilização como uma “categoria útil de análise histórica” ainda não está suficientemente difundida junto das e dos historiadores. Assim, enquanto conceito, o “género” carece em Portugal de uma maior aplicação. As reticências prendem-se com vários fatores que deveriam estar ultrapassados no século XXI. Atualmente, o desafio consiste em escrever a história utilizando o conceito de género. A chamada “história das mulheres” e/ou “história do género”, que se tem desenvolvido desde aproximadamente há meio um século ou mais — consoante os países —, assume esta perspetiva e já produziu inúmeras excelentes contribuições. Atenta ao que acontece no estrangeiro, incorporou o conceito de género tal como o definiu a historiadora norte-americana, Joan W. Scott. Resta agora difundir esta abordagem junto de todo(a)s o(a)s historiadore(a)s bem como do(a)s cientistas sociais mais globalmente. Em rigor, algumas disciplinas, como a Sociologia, foram mais recetivas a esta abordagem do que a História.

Falta ainda um longo caminho a percorrer em Portugal antes de chegar a uma “história decididamente relacional que interroga toda a sociedade”, segundo a feliz formulação de Georges Duby e Michelle Perrot, inscrita na História das Mulheres no Ocidente, obra traduzida em mais de dez línguas. Isso implica que cada historiador(a) tome consciência da importância do conceito de género e que o utilize na sua investigação. No que me diz respeito, é o que faço desde que cheguei a Portugal há mais de 20 anos e continuarei a fazê-lo enquanto investigadora responsável de um projeto financiado pela FCT intitulado “Mulheres e associativismo em Portugal, 1914-1974” que contribuirá para a História tout court.

Investigadora do Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa

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