Brasil é o principal candidato, mas terá de quebrar um tabu

Rússia e Arábia Saudita abrem hoje, em Moscovo, o Mundial 2018. Após o fracasso de há quatro anos, a selecção brasileira de Tite, a par da Alemanha, surge como favorita a vencer o torneio.

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LUSA/CHRISTIAN BRUNA

Em 2014, a 20.ª edição de um Campeonato do Mundo resultou em fracasso absoluto para o Brasil. A nível organizativo, os brasileiros depararam-se com problemas sucessivos e, do ponto de vista desportivo, a prova terminou em pesadelo para a “canarinha”, humilhada na meia-final pela Alemanha. Quatro anos depois, os sul-americanos chegam ao outro lado do Mundo de alma renovada. O grande culpado é Tite, o técnico que conseguiu acabar com a dependência de Neymar. Para confirmar o favoritismo no Mundial da Rússia, que arranca hoje em Moscovo, o Brasil terá de superar a fiabilidade da campeã Alemanha, o talento da nova geração da França, o génio da Argentina e de Portugal, e um velho tabu: sempre que foram para um Mundial com o estatuto de favoritos, os brasileiros nunca foram bem-sucedidos.

Depois do caos que foi o Mundial 2014 no Brasil, com problemas constantes a nível organizativo, o Kremlin parece ter tudo preparado para passar no teste de organizar uma prova com a magnitude de um Campeonato do Mundo. Apesar das ameaças de terrorismo e de hooliganismo, o rigor, a frieza e a meticulosidade russos deixam antever que a maratona de 31 dias, envolvendo 736 jogadores de 32 selecções, decorrerá sem grande sobressaltos e ficará na história pelos melhores motivos.

O pontapé de saída do Mundial será dado hoje, no Estádio Luzhniki, entre Rússia e Arábia Saúdita, mas quando o palco dos Jogos Olímpicos de 1980 receber, a 15 de Julho, a final da competição, os protagonistas terão um estatuto bem diferente. Na bolsa das apostas, Alemanha, Brasil, França, Espanha e Argentina surgem como investimentos com menor probabilidade de risco, e esse prognóstico é acompanhado por Eraldo Leite. A preparar-se para fazer a cobertura jornalística de um Mundial pela 10.ª vez, este radialista brasileiro da Rádio Globo estreou-se na competição em 1982, e, embora o “futebol seja dinâmico” e tenha “mudado muito”, traça algumas semelhanças entre a “selecção virtuosa” de Zico, Falcão, Sócrates, Leandro, Júnior e a actual “canarinha”. Esta “não é tão talentosa na defesa”, mas “tem um sistema defensivo bom”. E o mérito é de Tite. “Conseguiu convencer os jogadores, que acreditam no que ele diz. Pelos títulos que conseguiu e pelo jeito dele. O grande valor do Brasil é o sistema montado pelo Tite, ao qual os jogadores obedecem fielmente. Inclusive o Neymar”, explica Eraldo Leite, em conversa com o PÚBLICO.

E o enorme salto qualitativo do Brasil nos últimos quatro anos passa, muito, pela forma como Tite soube preparar a equipa para sobreviver sem a sua principal estrela. “No Mundial de 2014, o Neymar era um jogador que precisava de jogar sem se preocupar com o sistema de jogo. O Neymar era a estrela máxima e única. Foi-lhe dada essa condição pelo técnico [Dunga], pela torcida, pela imprensa. Se o Neymar jogar a gente ganha, se o Neymar não jogar a gente não ganha. E foi isso: o Neymar saiu, o Brasil perdeu. Agora a selecção já não é dependente de Neymar”, afirma o comentador da Rádio Globo. Sem retirar o mérito ao “10” brasileiro, que é “extremamente talentoso, decide os jogos e pode ser o melhor jogador deste Mundial”, a “estrela deste Brasil é Tite". "O Neymar é uma só parte da engrenagem”.

Confiante na chegada do Brasil à final, Eraldo lembra que “em 1982, o Brasil não ganhou por um capricho do futebol” e foi eliminado pela “pior selecção da primeira fase”. “A Itália não jogava nada, era fortemente criticada pela imprensa italiana – os jogadores fizeram greve de entrevistas para os italianos e só falavam com os brasileiros. No entanto, por uma fatalidade, o Brasil perdeu. No basquetebol o melhor vai ganhar sempre, no voleibol o melhor vai ganhar sempre. No futebol não. Nem sempre o melhor vai ganhar”, sublinha.

Para além das peculiaridades futebolísticas, o jornalista considera que “há um tabu para ser quebrado”: “O Brasil sempre que foi para um Mundial como favorito, não foi bem-sucedido. Venceu quando foi desacreditado. Agora é favorito, e esse é um problema. A selecção de 70 era fantástica, mas no último jogo, antes de viajar para o México, fez um amigável com o Bangu, um clube pequeno do Rio de Janeiro. Não ganhou e acabou vaiada.”

Quanto aos restantes favoritos, a Espanha, para Eraldo Leite, perdeu esse estatuto ontem, porque “é impossível que a saída de um treinador a dois dias do início da competição não afecte os jogadores e a equipa”. Por isso, a “Alemanha ainda é a principal ameaça ao favoritismo do Brasil”. “Os últimos jogos não correram bem, mas eles crescem sempre com o decorrer das competições. É sempre assim.” Depois, há “uma nova geração da França muito talentosa”. Com Griezmann, Pogba, Mbappé, Dembélé, Umtiti e Fekir, “les bleus” são uma “selecção a temer” e “uma pedra na chuteira do Brasil”.

Curioso para ver o que a Bélgica conseguirá fazer – “Têm bons jogadores, mas na hora decisiva falta-lhes sentir o peso da camisola” -, este experiente jornalista brasileiro coloca Portugal e Argentina no mesmo patamar, apontando a sul-americanos e europeus o mesmo defeito: “Entregam toda a responsabilidade para o Messi e para o Cristiano Ronaldo: vão lá e resolvam.” Se Portugal “vai passar bem na primeira fase e pode chegar a uma meia-final”, a Argentina “tem problemas antigos na defesa" ("não tem um grande central desde Passarella”) e tem Messi. “Jogadores extremamente decisivos nos seus clubes, não são na selecção argentina. Higuaín, Agüero, Dybala ou Di María são actores secundários na cena do Messi. E não brilham.”

Para além dos problemas internos, Jorge Sampaoli terá também que ultrapassar um grupo complicado, no qual, para além das imprevisíveis Islândia e Nigéria, está uma das selecções que não pode ser negligenciada. Após fazer uma excelente fase de grupos no Euro 2016, a Croácia caiu frente a Portugal, mas quem tem Perisic, Rakitic, Modric, Kalinic e Mandzukic pode sempre ambicionar manter-se em prova até à segunda semana de Julho, a última do Mundial 2018. E há ainda a Inglaterra. Com excelentes resultados nos últimos anos nos escalões de formação, parece faltar alguma maturidade à selecção de Gareth Southgate, mas o confronto entre ingleses e belgas, na última jornada do Grupo G, em Kaliningrado, tem tudo para ser um dos mais espectaculares da primeira fase.

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