A revolução silenciosa da Aveleda e os seus grandes vinhos “desconhecidos”

No caso da Aveleda, o segredo do sucesso pode ser resumido a isto: altas produções e vinhos com uma excelente relação qualidade/preço. O verdadeiro topo de gama é o nome.

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Nelson Garrido

Depois de ter vendido a duriense Quinta Vale Dona Maria à Aveleda, em troca de um cargo e de uma pequena participação no capital do gigante dos Vinhos Verdes, Cristiano van Zeller quis inteirar-se do portefólio da empresa e teve um baque quando perguntou pelos topos de gama e lhe disseram que não tinham nenhum branco acima dos dez euros nas garrafeiras. Percebe-se a surpresa: no Douro, Cristiano van Zeller vendia (vende) o CV- Curriculum Vitae Tinto a cerca de 70 euros e o CV-Curriculum Vitae Branco a mais de 50 euros. Mas a sua surpresa tem algo de paradoxal, porque foi a vender vinhos supostamente baratos que a Aveleda se tornou na empresa que é e que ganhou solidez financeira para comprar a Quinta Vale Dona Maria (40 hectares de vinha), já depois de ter adquirido o projecto Seis Quintas, também no Douro (Torre de Moncorvo), outros 40 hectares. Em contrapartida, mesmo vendendo vinhos caros, Cristiano van Zeller viu-se “obrigado” a vender a empresa da família.

Não há nenhuma moral a retirar desta história. Os sucessos e os insucessos fazem parte de qualquer negócio e é tão digno vender como comprar. Mas ela prova-nos mais uma vez que há diferentes formas de alcançar o mesmo objectivo. No caso da Aveleda, o segredo do sucesso pode ser resumido a isto: altas produções e vinhos com uma excelente relação qualidade/preço. O verdadeiro topo de gama é o nome “Aveleda”.

No entanto, a surpresa de Cristiano van Zeller faz sentido. Com o estatuto que tem, a Aveleda podia perfeitamente fazer um vinho que pudesse ser, no preço e na qualidade, um ícone dos Vinhos Verdes. Tal como os Guedes da Sogrape, também os Guedes da Aveleda (pertencem à mesma família) podiam ter o seu Barca Velha, a sua flor na lapela, embora o Barca Velha seja mais do que um adereço de luxo. É um vinho que já gera um encaixe muito importante. Curiosamente, a Sogrape também não possui um vinho que possa ser considerado uma referência nos Vinhos Verdes.

O que se passa, afinal? Não é um problema de uvas, muito menos de dinheiro. É mesmo uma questão cultural, associada mais à natureza do próprio vinho verde do que à forma de actuar dos Guedes. Há uns meses, João Pedro Araújo (vinhos Quinta de San Joanne) recorreu ao Facebook para fazer uma pergunta/provocação: “Quem me pode indicar vinhos verdes acima de 23 euros sem ser Anselmo, Soalheiro e Ameal?”. E deixou muita gente a pensar. Com esforço, houve quem descobrisse apenas mais uns três ou quatro. É esta a dura realidade dos Vinhos Verdes, uma região que produz vinhos extraordinários a um preço demasiado baixo por “imposição” do mercado e conformismo local. 

O preço não é tudo, mas é uma ferramenta essencial para o posicionamento e o prestígio de um vinho. Se o Barca Velha fosse vendido a 50 euros, não suscitava tanto interesse como suscita. O Pêra-Manca tinto não seria o fenómeno que é se custasse 30 euros em vez de 200 euros.

Até agora, tanto a Aveleda como a Sogrape têm estado sentadas em cima do sucesso de vinhos mais comerciais como o Casal Garcia ou o Gazela, respectivamente. Mas os tempos estão a mudar e ambas as empresas já perceberam que não podem continuar com o mesmo posicionamento conservador. A Sogrape começou a renovar a sua linha de vinhos da Quinta de Azevedo (ver última Fugas) e a Aveleda está a realizar um investimento colossal em novas vinhas e a iniciar a aposta em vinhos de terroir.

Este texto é mesmo sobre a “revolução silenciosa” que a Aveleda está a fazer, já sob a liderança dos primos António e Martim Guedes, da 5.ª geração (a empresa continua a ser 100% familiar). No final de 2017, a área de vinha própria nos Vinhos Verdes já ascendia a 350 hectares e até 2021 deverá chegar aos 600 hectares, o que fará da Aveleda o maior proprietário da região. É um novo paradigma. Comprar uvas já não é suficiente. A Aveleda está numa espécie de corrida contra o tempo para garantir uvas capazes de sustentarem as suas expectativas de crescimento. Em 2014, comprou uma série de terrenos em São Martinho do Campo, em torno da antiga quinta do Solar de Ruivães, e em apenas três anos instalou uma belíssima vinha contínua de 46 hectares e pode crescer ainda até aos 70 hectares. E já este ano começou a plantar, na aldeia de Cabração, no sopé da serra d’Arga, perto de Ponte de Lima, aquela que irá ser a maior vinha do Minho. É um projecto gigantesco que prevê a instalação de 200 hectares de vinha em baldios fustigados pelos incêndios. Para poder avançar, a Aveleda fez um contrato de arrendamento de longo prazo com os representantes locais.

O investimento em Cabração, de sete milhões de euros, tem algo de aventura, porque já fica um pouco fora do tradicional raio de acção da empresa (para a pequena aldeia, equivale a uma segunda vida). Mas a possibilidade de dispor de uma área contínua daquelas dimensões, com um solo de xisto que lembra os melhores terrenos do Douro, foi irresistível. Com este projecto, a Aveleda alarga-se a mais uma sub-região dos Vinhos Verdes (Lima). A empresa já está presente na sub-região do vale do Sousa (Aveleda, com cerca de 100 hectares, e Lousada, com 77 hectares), na sub-região do Ave (Quinta de Ruivães) e na sub-região de Basto (Celorico de Basto, com 37 hectares).

São lugares diferentes que espelham bem a riqueza da região e que abrem à Aveleda novas possibilidades enológicas. A empresa quer começar a produzir vinhos que espelhem essas diferenças. Uma prova recente na empresa com vinhos das últimas colheitas deixou bem evidentes essa diversidade regional e também o grande potencial do Alvarinho noutros lugares do Minho que não Monção-Melgaço: muito mais seivosos e sucrosos (termo sem espaço no dicionário mas que na enologia serve para definir vinhos com uma doçura mais ácida) os brancos de Penafiel (solos ricos de base granítica); mais gordos os vinhos de Celorico de Basto (solos mais pobres de xisto). Mas o que mais me impressionou foi a altíssima qualidade de vários brancos velhos da Aveleda. Já em casa pude provar um Aveleda Alvarinho de 2002 que é de beber de joelhos. Um branco extraordinário que deixaria muita gente de boca aberta numa prova comparativa com grandes brancos do mundo. Já estou como Cristiano van Zeller: como é possível que estes vinhos não custem mais de dez euros?  E por que razão nos têm passado ao lado? Desconhecimento, preconceito? No que me toca, um pouco de tudo, admito. 

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