Um rum branco que não é branco e incontestavelmente delicioso: o Plantation 3 Stars

É preciso olhar para a grande variedade de runs que Alexandre Gabriel oferece para perceber que ele percebe de rum e sabe oferecê-lo conforme é mais adequado.

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Adress Latif

É preciso tirar o chapéu aos franceses: não há nada que não saibam fazer. Fizeram uma boa vodka (a Grey Goose), fizeram um bom gin (o Citadelle) e um bom rum (o Plantation).

Não são bem os franceses, são os mestres de Cognac. E entre os mestres de Cognac, tanto os gins Citadelle como os runs Plantation são obra de uma só pessoa, Alexandre Gabriel.

Um cognac é difícil de fazer. É difícil de misturar e o envelhecimento tem de ser acompanhado. Aliás, um cognac é uma espécie de cocktail porque, para além das aguardentes, leva caramelo (para a cor), açúcar e boisé. Boisé é um concentrado de madeiras. É polémico fora de Cognac mas a verdade é que contribui para o sabor dos melhores (e piores) cognacs.

O que os mestres fazem é preparar uma mistura de açúcar e boisé e envelhecê-la em barril. Até a água que servirá para diluir o cognac é envelhecida cerca de um ano para não “chocar” o cognac.

É preciso saber não muito mas tudo sobre madeiras, adegas, destilação e técnicas de destilação e loteamento. Fora raríssimas excepções, um cognac é sempre um blend de vários cognacs, de anos e estilos diferentes.

A única coisa que conta é o sabor final. Ao contrário do que acontece com os whiskies, gins e runs, é difícil encontrar cognacs desagradáveis. São todos muitíssimo bem feitos.

Tendo isso em mente, não custa nada explicar porque é que uma pessoa que faz cognacs se põe a escolher, misturar e envelhecer runs. Alexandre Gabriel conseguiu fazer runs muito bons a preços muito mais baixos do que custariam cognacs da mesma qualidade.

Não conheço Alexandre Gabriel nem a companhia dele ou a representante em Portugal. Nunca recebi promoções ou publicidades, muito menos uma garrafa. Digo isto porque os gins e runs de Alexandre Gabriel são muito bem promovidos em Portugal e em todo o mundo.

Até agora desconfiei dos produtos dele por isso mesmo. Não quis experimentá-los com medo que não prestassem. Mais importante ainda, os runs dele contêm açúcar e podem conter boisé. Tinha um preconceito contra estas adições (os whiskies europeus só permitem caramelo) até ler Cognac, o livro de Nicholas Faith.

Quando percebi que os cognacs que eu adoro continham açúcar (até um máximo de 1,5 gramas por litro ou 2% do volume total) e boisé, o raio da mistela de madeiras fervidas, tive de engolir os preconceitos.

Acontece que no rum vale tudo — não há regras. Decidi experimentar os runs mais baratos da Plantation — o 3 Stars e o Original Dark. Procurando bem consegue-se encontrar por 15 ou 16 euros.

O 3 stars é delicioso. Trata-se de um blend de runs escuros a quem foi tirada a cor, ficando um amarelo pálido. Esta manobra inteligente é para passar por rum branco, para competir com os Bacardis e quejandos.

Os brancos normais são pouco ou nada envelhecidos e muito filtrados. Têm, por isso, pouco sabor. Gabriel chama a estes runs runs-vodkas. São para quem quer álcool sem saber a álcool — para poder beber rum com Coca-cola sem alterar o gosto da Coca-cola.

O 3 stars é arredondado e — não se pode negar — também é bastante doce. Gabriel parece ter usado todos os truques que conhece — mas resultou em grande. Nenhum destes truques teria funcionado se os runs de base não fossem bons.

É preciso olhar para a grande variedade de runs que Gabriel oferece para perceber que ele percebe de rum e sabe oferecê-lo conforme é mais adequado.

O 3 stars até é mais saboroso do que o Original Dark — uma sensação estranha. Diria até que o 3 stars é uma obra-prima de loteamento, um cocktail de três runs muito diferentes que é seguramente melhor do que os runs individuais.

Alexandre Gabriel, através da sua sabedoria, inteligência e espírito inovador está mesmo a destruir preconceitos e a dar dignidade ao rum. Mostrou que o duplo amadurecimento — nos vários paises das Caraíbas e finalmente em Cognac — tem um efeito maravilhoso sobre o rum. A própria viagem para a França, se for feita em barris a bordo de navios lentos, favorece reconhecidamente o rum, agitado contra a madeira, puxando vestígios de cognac para a mistura.

Os mestres de Cognac tinham razão.

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