Consultor do ministro demitiu-se por considerar que há requisitos que não estão a ser cumpridos

Constantino Sakellarides defendeu que é preciso voltar à descentralização para se ter um SNS mais próximo da população e terminar rapidamente o reforço dos cuidados de saúde primários.

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Constantino Sakellarides era o coordenador do projecto SNS +Proximidade miguel Manso

Constantino Sakellarides, especialista em saúde pública e coordenador do projecto SNS + Proximidade, disse nesta quarta-feira na comissão parlamentar de Saúde que se demitiu da função de consultor do ministro Adalberto Campos Fernandes por considerar que há requisitos “para fazer avançar o serviço Nacional de Saúde” (SNS) que “não estão a ser suficientemente cumpridos”.

O antigo director-geral da Saúde defendeu que é preciso voltar à descentralização para se ter um SNS mais próximo da população e que é preciso terminar rapidamente o reforço dos cuidados de saúde primários.

No Parlamento, onde foi chamado a pedido do BE, Constantino Sakellarides disse que considera fundamentais “três requisitos para fazer avançar bem o SNS”. O primeiro é “o discurso político no Parlamento, nos encontros partidários, na comunicação social”. “Ainda não temos o discurso que precisamos" para que o SNS possa mudar, disse o especialista em saúde pública.

O segundo aspecto tem a ver com “a capacidade de governação necessária para articular de forma activa todos os elementos interdependentes da transformação”. “Governar bem significa ser capaz de articular um conjunto de questões que são interdependentes”, acrescentou. A finalizar, apontou como terceiro requisito a utilização de novos instrumentos de gestão “que torne credível uma estratégia de mudança”.

“Considerando que os requisitos que enunciei não estão a ser suficientemente cumpridos, é legítimo pensar que sou mais útil fora do que dentro do SNS”, afirmou, lembrando as palavras de Adalberto Campos Fernandes. “O próprio ministro da Saúde, quando comentou publicamente a minha decisão de sair, disse que eu ia continuar a promover esta agenda a partir das minhas funções académicas”, o que seria igualmente útil.

“Não estou preocupado com a continuidade do projecto [SNS + Proximidade], que considero ter boas raízes, mas estes requisitos têm de ser mais levados a sério”, defendeu. O projecto SNS + Proximidade passa por uma transformação da forma como os serviços de saúde estão organizados em prol das necessidades dos doentes, com a criação de um plano de saúde adaptado a cada pessoa e uma aposta na literacia.

"Estamos a 70% da recuperação do que perdemos"

No início da audição, o responsável afirmou que os últimos cinco anos “foram dramáticos” para o SNS e que os problemas com equipamentos e instalações provêm da acumulação da falta de investimento de vários anos. “Estamos a 70% da recuperação do que perdemos. A questão do orçamento não pode ser discutida no momento, tem de ser discutida nos tempos próprios que é na estratégia orçamental."

“É importante repor recursos, acrescentar, mas fazê-lo transformando. Não podemos repor e acrescentar para um SNS de 2015, mas para o SNS que queremos ter em 2025”, salientou.

Constantino Sakellarides defendeu ainda que “já é tempo de começar a descentralizar” e que esse “trajecto é obrigatório” para que se possa investir novamente na proximidade do SNS. Para isso, é preciso terminar num curto prazo a reforma dos cuidados de saúde primários, iniciada há duas décadas, e só completa em 70%. “Não há razão para num espaço curto não passarmos todas as unidades para unidades de saúde familiar (USF).”

Já ao nível dos hospitais, “para a reforma se fazer, é preciso levar a descentralização para uma autonomia com responsabilidade”. “Só assim se pode evoluir para a integração”, disse, considerando igualmente essencial uma aposta na qualificação do atendimento no SNS.

Para Sakellarides, fazer estas transformações são necessários "empreendedores públicos" e não gestores, lembrando a exigência do SNS, que "está aberto todo o ano, todos os dias, a todas as horas, em todo o país a toda a gente".

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