Estudantes, esse empecilho

A irreverência, imponderância e ingenuidade passam a ser sinónimo de incómodo e servem de pretexto estereotipado de não envolvimento dos estudantes nos processos universitários

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PhilippeLeroyer/Flickr

“Formação cultural, artística, tecnológica, científica, intelectual e profissional dos seus estudantes”, refere o RJIES - mais uma sigla no país dos acrónimos – no que se refere às competências das Instituições de Ensino Superior (IES). São requisitos gerais para a criação e funcionamento das IES assegurar a participação de estudantes no governo dos estabelecimentos, mas em que tempo (sobre)vive este envolvimento?


Para contextualizar e diagnosticar os acontecimentos até chegarmos à actualidade temos de interrogar o passado como saudável exercício de reflexão já que o conhecimento da História, enquanto apreensão do que herdamos, é das mais úteis ferramentas para nos tornarmos optimistas.

Nos últimos anos assistimos à redução do número de participantes no envolvimento das estruturas de gestão universitária, no que respeita ao interesse a culpa é dos próprios, mas, no que respeita ao afastamento do número de representantes e suas atribuições, essa faz parte de quem as governa. Mais de 70% dos intervenientes no Ensino Superior são estudantes mas essa proporção não se traduz na contribuição para melhoria contínua dos processos das IES.

A irreverência, imponderância e ingenuidade a meu ver passam a ser tudo sinónimo de incómodo e servem de pretexto estereotipado de não envolvimento dos estudantes nos processos universitários. Não é só por culpa dos próprios, mas estes têm grandes responsabilidades nesta matéria.

A discussão não se esgota em propinas e acção social, são assuntos relevantes mas não exclusivos, e infelizmente os sucessivos anos debruçados sobre esses dois assuntos quase sempre da mesma forma retiraram claramente espaço para contrariar o chavão de estudante de ensino superior envolvido na participação edificante.

A gestão universitária, os modelos de avaliação pedagógica e de desempenho, os procedimentos internos de gestão académica, os planos curriculares, a avaliação de procedimentos e infraestruturas, as necessidades educativas especiais, a rede de ensino superior, entre muitos outros, carecem de (des)envolvimento enquanto áreas fulcrais.

Os assuntos gastos pela forma de discussão afastaram também os antigos estudantes que poderiam ser mais-valias fundamentais no processo de avaliação contínua e progresso. Este padrão não contribuiu até então para uma participação irrepreensível. Persiste muitas vezes a dúvida de intenções, prevalência da comodidade e desconsideração da utilidade.


Nesta revisão do passado a compreensão dos pretéritos deve impor-se como factor de higiene cívica e intelectual. Finalizo com as palavras transversais de um dos maiores académicos do nosso país, o Prof. Vitorino Magalhães Godinho. “Os homens, as suas arquitecturas de pensamento e formas de relações estão enleados nestas inúmeras contradições: entre a mutação inovadora que tende a apagar o passado e a resistência tradicionalista que forceja por enquadrar o presente e o futuro em moldes obsoletos, sacralizados como tradição“.

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