Quando eu era criança, um dos maiores feitos da malta lá da rua era o momento em que, finalmente, alguém conseguia andar de bicicleta sem colocar as mãos no guiador. “Olha, mãe! Sem mãos!” Domingo, a eleição mais ou menos previsível de Marcelo Rebelo de Sousa à primeira volta foi assim. No final de uma campanha genericamente sem qualquer ideia mobilizadora dos eleitores, a grande lição a tirar é que Marcelo Rebelo de Sousa venceu de forma inequívoca uma eleição presidencial como nunca tinha sido verificado na nossa Democracia. E isto com uma campanha sem caravana, sem arruadas, sem comícios arrebatadores, sem debates interessantes, enfim, sem ideias. À atenção dos fazedores de livros escolares para os futuros assessores de comunicação…
A noite de domingo fez-me lembrar aquelas etapas das provas de ciclismo em que o camisola amarela é escoltado pelos colegas de equipa até próximo da meta, deixando para as outras equipas as chamadas “despesas da corrida” até aos últimos quilómetros, momento em que o pelotão se reagrupa e a vitória na etapa é discutida ao sprint. Neste caso, o camisola amarela era Marcelo Rebelo de Sousa e os “outros” candidatos os “challengers”. Só faltou, tal como acontece nas etapas de consagração dos vencedores da Volta à França, que se tirassem fotos aos ciclistas de copo de champanhe na mão e a sorrir para o boneco. E se à partida para esta corrida presidencial estavam quase todos em igualdade teórica de circunstâncias, cedo se comprovou aquilo que os tempos de comentador na TVI foram semeando: Marcelo Rebelo de Sousa venceu todas as grandes etapas de montanha, passeou como quis nos percursos mais planos e não vacilou quando foi chamado ao contra-relógio.
Em resumo, o sucessor de Cavaco Silva no Palácio de Belém preparou com muito método a campanha eleitoral (e a pré-campanha ao longo de vários anos, acrescente-se) e mesmo antes do tiro de partida já estava encomendar as faixas de vencedor. Só não se sabia era a dimensão da vitória. Domingo, ficaram desfeitas as dúvidas.
E onde é que fica o trabalho das equipas de assessoria de comunicação dos vários candidatos? Aqui: Maria de Belém teve uma derrota épica e para a história vão ficar os 4,24 por cento, ou seja, nem chegou aos 200 mil votos. Este punhado de votos e, acrescente-se, uma campanha que teve tudo para correr mal desde o início, com o PS dividido nos apoios e uma candidatura frágil em todos os capítulos — a começar pela imagem da própria candidata, passando pela ausência de uma mensagem política forte, terminando com a notícia de que Maria de Belém não abdica da subvenção vitalícia atribuída pelo Estado, como consequência dos seus anos de deputada à Assembleia da República. Nunca a sua equipa de assessores conseguiu encontrar o antídoto político para esta rasteira na recta final da campanha. E quem melhor soube aproveitar foi Sampaio da Nóvoa, que passou de um ilustre desconhecido a figura pública com eventuais aspirações políticas num futuro próximo.
Para melhor ajudar a compreender o que se passou nesta campanha eleitoral, nada como fazer um curto exercício de memória de comparação com a campanha para as legislativas. A miríade de estratégias desenhadas pelas equipas de assessores dos vários partidos até aos últimos minutos do dia 2 de Outubro contrasta claramente com o deserto de ideias a que assistimos. Os próximos tempos serão certamente de análise profunda ao que de errado houve com as candidaturas apoiadas oficialmente por partidos (Bloco de Esquerda e PCP), falhada que foi a intenção de levar estas eleições a uma segunda volta. O país votou e as explicações dos derrotados foram até surpreendentes. Mas deles pouco rezará a História. Por isso, agora, vamos ao que interessa.