Em cada buraco um voto

O aspecto macambúzio da política nacional é tão cinzentão que é possível fazer uma futurologia exacta: os mais velhos votarão nos mesmos de sempre, os derrotados queixar-se-ão do mesmo de sempre e a malta dos vintes e trintas andará desaustinada com os azares da precariedade

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Dominic Ebenbichler/ Reuters

Não é segredo para ninguém que a política atravessa, em Portugal mas não só, uma fase de profunda descrença. Senão vejam-se os valores crescentemente arrasadores da abstenção e a ausência de debate político em qualquer lugar onde se vá. Para o povo, os governantes são o equivalente a palhaços nos tempos em que a moda de ir ao circo ainda mostrava vigor. As pessoas preferem rir-se de momentos idiotas do que, na verdade, debater filosofias políticas. Não é, portanto, de espantar que, a pouco mais de um mês das legislativas, as gentes demonstrem microscópicos interesses nesse domingo de início de Outubro.

Façamos uma avaliação do panorama. Nesta fase, Passos anda calado que nem um rato, rindo-se dos consecutivos tiros nos pés por parte da oposição, e com o argumento aparentemente infalível de que estamos muito melhor do que estávamos – com esta táctica, é bem capaz de ganhar as eleições. Costa, cada vez mais branqueado nas fotografias oficiais, qual Michael Jackson político, anda com azar nos "marketeers" a quem tem dado pastas. E Portas assume com a lata que sempre o caracterizou a vontade em participar nos debates. Uma nota: havendo apenas uma cruzinha em quem votar, só há um candidato, senhor Portas. Matemática pura, senhor Portas. Já estava a ver Portas e Passos nos debates, como diz a canção, feitas comadres "à esquina, a tocar a concertina e a cantar o sol e o dó". Mas, como se não bastasse, Portas faz birra e finca-pé, dizendo que, se não for ao debate, a coligação não será representada. É mais ou menos como o "bully" do recreio da escola, que diz: “Ou jogamos como eu mando, ou roubo-vos a bola e não há jogo para ninguém.”

A esquerda, essa, está morta. O Bloco não sabe às quantas anda e vê em Mariana Mortágua a sua única salvação – pelo menos enquanto a jovem deputada não decidir, à imagem de outros, pirar-se dali para fora. O PS está estilhaçado em divisões, com uma boa parcela lamentando a prisão do Todo-Poderoso Sócrates – além disso prefere escolher candidatos às presidenciais, como se já assumisse a derrota nas legislativas. O PCP continua congelado em criogénio, lá para os finais dos anos 70, sempre com a mesma retórica a cheirar a mofo. E o povo, desencantado, diverte-se com as alucinações do Candidato Ninja. Os partidos mais auspiciosos são os menos conhecidos. Felizmente, ainda há gente como Luís Vargas, que faz "outdoors" com verdades escritas – só para variar, tendo em conta o que as agências de comunicação por aí fazem.

Enquanto isto, as autarquias atiram pó à cara dos munícipes. Literalmente: as obras hão-de ficar lindas quando estiverem terminadas, mas é de estranhar que sejam todas feitas em simultâneo, numa azáfama sem igual, a mês e meio das eleições. Prestem atenção à vossa volta. Curiosamente, tudo se esburaca nesta altura, com uma urgência sem igual, porque aquele passeio só agora pôde ser alisado, aquela passagem aérea pedonal só agora pôde ser construída, aquela rampa de acesso para deficientes só agora é que fica aqui tão bem. Os menos iluminados de espírito, pobrezitos, hão-de acreditar que o partido é como uma cor clubística, e votarão nos representantes dos obreiros para mandarem no país inteiro.

O aspecto macambúzio da política nacional é tão cinzentão que é possível fazer uma futurologia exacta: os mais velhos votarão nos mesmos de sempre, os derrotados queixar-se-ão do mesmo de sempre e a malta dos vintes e trintas andará desaustinada com os azares da precariedade. Mas claro, a malta dos vintes e trintas, agora, no pino do Verão, preocupa-se demasiado com Sudoestes e Alives, Chagas Freitas e bronzes de praia para querer saber desse bicho de sete cabeças chamado Política (assim mesmo, com maiúscula). Vá, ide lá dar uma cacholada, avestruzes. Depois, no Inverno, armados em cigarras, queixem-se à vontade.

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