Vida de bolseiro: o copo meio cheio

O doutoramento e o pós-doutoramento são escolhas, certas ou erradas. A forma como lidamos com elas é individual e não devemos responsabilizar terceiros pelo desfecho

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Chris Wieland/Flickr

Ter uma bolsa não é nem deve ser visto como uma maldição, uma cruz que se carrega até ao pós- doutoramento, a consequência inevitável e também ela maldosa e cruel de se ter escolhido esta vida. Enveredar por um doutoramento é abraçar uma paixão, pode não aparecer logo e nalguns casos nunca se revela, mas é uma relação a dois que se desenvolve abruptamente ou de forma cautelosa, como uma dança em que ambos tentam acertar o passo.

Ao contrário do que foi afirmado aqui numa crónica, acredito que o doutoramento não é sinónimo, obrigatoriamente, de ultra-especialização ou de estupidificação. É inevitável que se fique especializado, mas quem não o é? Não estamos com certeza à espera que um endocrinologista seja especialista em direito familiar; então, porque estamos a assumir que um bolseiro investigando Alzheimer seja também um imenso conhecedor de astrofísica? Mas não me entendam mal, não estou com isto a dizer que são única e exclusivamente conhecedores da sua área, mas será provável que seja essa a área em que dispõem de mais conhecimento, aquela em que com mais veemência podem expressar os seus pontos de vista. Os bolseiros são especializados numa qualquer área mas têm outros interesses, sejam eles o desporto ou a fotografia, e engane-se quem pensa que não vamos ao cinema, teatro, concertos, exposições ou festivais de verão!

O bolseiro, ou o profissional de investigação agora doutorado, é uma pessoa activa na sociedade contemporânea, tão capaz de encontrar um emprego como tantas outras, salvaguardada a crise económica mundial que torna a todos um pouco mais difícil o “encontrar um emprego”. Desmistificando o pós-doutoramento penso que aqui, dadas as devidas condições, o investigador jovem cresce e autonomiza-se, amadurece enquanto cientista. Claro que pode sair o tiro pela culatra e o investigador percebe que a academia não é para si e aí, se for bom no que faz e motivado, certamente encontrará o que lhe preencha as medidas, demore mais ou menos tempo a consegui-lo.

Há apenas um ponto que gostaria de reforçar, para mim a maior pedra no sapato do investigador: se quisermos ser bons, se tivermos ambição, há sacrifícios. Ficar longe da família e amigos é uma realidade, perder aniversários, casamentos, baptizados, até pôr a nossa vida e a do nosso companheiro em suspenso é parte da rotina. Cabe-nos a nós determinar quando viramos a balança, quando o pessoal supera o profissional.

Gostava apenas que o seguinte fosse retido: o doutoramento e o pós-doutoramento são escolhas, certas ou erradas. A forma como lidamos com elas é individual e não devemos responsabilizar terceiros pelo desfecho. Há problemas, atritos e burocracias intermináveis (com as quais eu, e arrisco a dizer 80-90% dos bolseiros, já teve de lidar) mas desengane-se quem pensar que isto se cinge à academia e à investigação. Quem quer investigar tem um longo caminho a percorrer, com altos e baixos, mas continuo a acreditar que os altos irão sempre superar os baixos.

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