Funalcoitão: a jovem funerária que nada recusa a um morto

Não, não é uma cena do “Sete Palmos de Terra”. Os irmãos Carneiro querem que os funerais "não sejam tão negros e pesados" — tal e qual como no anúncio preparado pelo Filho da Pub. Pode uma funerária ter uma estratégia de marketing "cool"?

Mais do que enterros, os irmãos Carlos e Álvaro Carneiro fazem homenagens. Eis a epígrafe da funerária Funalcoitão, de que muita gente (dona de uns 46 mil cliques) terá ouvido falar graças a um vídeo que irrompeu pelas redes sociais no início do mês. Nele, uma procissão enevoada presta os últimos respeitos a um sorridente morto, fazendo jus às palavras entoadas de Mário de Sá Carneiro em “Fim”: “A um morto, nada se recusa.”

Um anúncio com o carimbo da agência de publicidade BAR e créditos do programa Filho da Pub, cuja estreia da terceira temporada na Sic Radical está para breve; uma filosofia que está presente em tudo o que a agência faz, explica ao P3, via Skype, Carlos Carneiro. “Queremos que os funerais sejam mais acessíveis para as pessoas e que não sejam tão negros e tão pesados, dando outras opções para que as pessoas possam prestar homenagens. Não ser só só aquele funeral tradicional: o corpo vai para a igreja, chega o padre, faz-se o funeral e já está. Há que ter outra envolvência.”

Numa área onde o humor não é, de todo, o pão nosso de cada dia, a Funalcoitão, que, lá está, fica em Alcoitão, quer-se “diferenciar”. Nos preços, na estratégia, nas formas de divulgação. É também uma história de empreendedorismo: a de dois jovens (Carlos tem 30 anos, Álvaro 37) que há três anos e meio decidiram criar o próprio negócio no local onde nasceram, depois de anos (começaram aos 18 e aos 20, respectivamente) a trabalhar numa multinacional da área. Com “a mesma qualidade”, garante Carlos, mas “a pagar menos” e com a possibilidade de soluções “menos tradicionais”: grupos de canto durante a cerimónia, ligação via Skype para familiares que estão fora do país e não conseguiram voo (“não é justo ficarem de fora), uma urna em que se pode escrever uma homenagem.

Chegar às pessoas, mas sem chocar

Publicam alguns anúncios em jornais locais, mas a principal divulgação é feita, claro, pelo típico passa-a-palavra e também na internet. No site, apresentam-se como uma “equipa jovem e dinâmica”; no Facebook, usam @ para não distinguir os géneros (“obrigado a tod@s”), publicam uns quantos “Keep Calm” e muitas imagens com frases a preceito — responsabilidade de Susana Garcia, esposa de Álvaro. A homenagem que fizeram à bombeira Ana Rita Pereira, falecida durante os incêndios do Verão passado, granjeou milhares de partilhas. “Existem funerárias que colocam panfletos na caixa de correio. Naturalmente que as pessoas não gostam de os receber.”

As agências funerárias também sentem a crise?

Querem chegar às pessoas, mas não com “choque”. Por isso, há dois anos enviaram uma candidatura para o Filho da Pub, um programa sobre publicidade que tenta “revolucionar a comunicação dos pequenos negócios”. Não foram seleccionados, recorda Carlos. “Disseram-nos que efectivamente é muito complicado fazer publicidade a uma agência funerária. Lá está, é um assunto tabu na nossa sociedade.” Desta vez, foi o próprio programa que lhes bateu à porta, perguntando-lhes se ainda estavam interessados. "Claro que sim!" Tiveram uma conversa, falaram-se do que significava a profissão. A partir daí tudo foi uma surpresa, fruto da criatividade de Diego Anahory e José Carlos Bomtempo (directores criativos da BAR) e de uma equipa composta por António Bezerra, Sandros Borges, Cristina Sena e Carlos Gorjão, dá conta o “Dinheiro Vivo”. O vídeo ficou a cargo de Pedro Amorim e Augusto Fraga, com produção da Krypton, mas também a loja da Funalcoitão e a identidade gráfica foram mudadas e foi criado o slogan que resume o espírito do negócio desde sempre: “Mais do que enterros, fazemos homenagens.”

Noutras culturas a morte é vista de uma forma menos pesada, diz Carlos

Carlos e Álvaro apenas viram o anúncio. Tudo o resto — o processo criativo, as filmagens, a produção — vão descobrir “ao mesmo tempo que todos os portugueses”, quando o programa for para o ar. Tiveram de imediato a “melhor impressão” do vídeo e, logo que foi possível, colocaram-no online. O trabalho não aumentou — “ainda”. “Espero que sim, foi a razão de tudo isto”, comenta Carlos. Salvo seja! “Salvo seja não. Todos os dias a morte acontece, é a unica certeza que temos quando nascemos.”

No YouTube nada de comentários negativos. Apenas umas quantas piadas (“Até dá vontade de morrer”; “lindo de morrer”) e um ou outro pedido, até do outro lado do Atlântico: “Eu quero ser sepultado vestido com o Manto Sagrado do Palmeiras. Na hora do meu sepultamento quero que toquem ‘Breaking All The Rules’, do Peter Frampton.”

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