Campanhas nas autárquicas é "marketing para cotas"

A campanha das autárquicas está a chegar ao fim. Como é que os eleitores jovens são vistos pelos candidatos? Como é que a política portuguesa fala para esta faixa etária?

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Raquel Esperança

Dos mais de nove milhões e 480 mil eleitores registados em Portugal a 30 de Junho de 2013, quase um quarto tem entre 18 e 34 anos. Os jovens eleitores já representam 23,7 por cento do total: são dois milhões, 181.604. Em alguns distritos e regiões autónomas portugueses, a percentagem é ainda maior.

A poucos dias das eleições autárquicas de 29 de Setembro, estes dados, da Direcção-Geral da Administração Interna (DGAI), mostram como os cidadãos jovens activos podem ter um papel decisivo na hora de escolher os próximos presidentes de junta de freguesia ou de câmara e os deputados das assembleias municipais. Mas estas eleições não atraem muitos votantes: em 2009, a taxa de abstenção situou-se nos 41 por cento (não se sabe que parte deste valor corresponde à abstenção jovem).

O politólogo Adelino Maltez fala numa “não relação” dos jovens com as questões partidárias — “e o problema não está nesta campanha”, diz. Antes no “próprio sistema representativo e nos partidos portugueses”, cuja “demonstração de envelhecimento”, considera, é “clara”.

No distrito de Braga, a percentagem de jovens eleitores atinge os 27,3 por cento, um dos casos em que a média distrital supera a nacional. “Em cerca de 180 mil habitantes, cerca de 85 mil têm menos de 35 anos, a que temos de somar os quase 17 mil estudantes da Universidade do Minho e de outras escolas superiores”, começa por dizer o candidato pela CDU à presidência da câmara municipal de Braga, para sublinhar o “peso significativo” desta faixa etária.

Segundo Carlos Almeida, “é impossível dissociar os problemas que os jovens enfrentam da situação social, política e económica”. As questões que afectam os cidadãos entre os 18 e os 34 anos são, hoje em dia, “questões universais” e não exclusivas da juventude: o direito ao emprego “com direitos”, à habitação, ao desporto, à cultura e à saúde, por exemplo.

Objectivo: fixar os jovens

Para o também jovem candidato da CDU, “Braga tem hoje características excepcionais de atractividade na área das tecnologias de informação”. Este facto deve-se, diz Carlos Almeida, aos “elevados níveis de formação de muitos quadros jovens”, que os baixos salários empurram “para a emigração”.

A emigração é, também, uma preocupação de António Costa. “Não nos podemos resignar com um futuro que passe pela emigração, independentemente das vontades de cada um”, diz o actual presidente da câmara municipal de Lisboa, para quem a principal preocupação é “permitir que haja futuro na cidade para os mais jovens” — que já são 23,1 por cento dos eleitores.

O candidato pelo Partido Socialista vê a aposta nas “incubadoras de empresas e na dinamização de sectores como o turismo” como fundamental para a criação de emprego jovem, um dos temas mais sensíveis quando se aborda esta faixa etária. É que, em Abril de 2013, dados do Eurostat apontavam para uma taxa de desemprego jovem de 42,5 por cento em Portugal (a média europeia estava nos 23,5 por cento).

Este tipo de compromissos que os candidatos referem como uma prioridade autárquica são, para Adelino Maltez, “demagogia pura 90 por cento das vezes”. “Ainda estamos numa fase em que os candidatos, até os que parecem vencedores, fazem promessas que não têm o mínimo de base em estudos de financiamento público”, conclui.

Para tentar chegar aos jovens, a candidatura de António Costa, a par de muitas outras, tem apostado nas redes sociais, mas também em “vídeos, acções de rua e iniciativas culturais”. Na Madeira, José Manuel Rodrigues, candidato pelo CDS à câmara municipal do Funchal, também apostou numa “campanha informativa online”, com duas vertentes: apelar à necessidade de participação dos jovens no acto eleitoral e explicar os mecanismos de voto antecipado. Isto porque a região autónoma tem “um elevado número de jovens a estudar nas universidades do continente”, explica.

Nesta região autónoma, os eleitores jovens chegam aos 27 por cento e José Manuel Rodrigues pensou em propostas que podem tentar resolver os seus problemas, “sobretudo nas áreas da habitação, educação, cultura, desporto e família”. A ideia é tornar a cidade “mais criativa, mais empreendedora e com maior capacidade para atrair e fixar jovens”, explica o candidato. Esta é, aliás, uma grande preocupação de Rodrigues, para quem a região autónoma da Madeira tem uma “incapacidade enorme para segurar quadros e talentos” (a taxa de desemprego jovem atinge os 50 por cento, diz).

“Marketing para cotas”

No que diz respeito à forma como as campanhas tratam o eleitorado jovem, Adelino Maltez fala num “marketing para cotas”, em nada atractivo para esta faixa da população. “Só alguns candidatos é que procuraram chegar — porque tinham capacidade para isso — a alguns segmentos do eleitorado jovem”, refere. Em termos de candidaturas, Maltez aponta o caso de “um candidato de 18 anos” à câmara municipal de Tomar, Flávio Nunes.

O politólogo chama a atenção para o facto de “redes sociais não significarem, necessariamente, juventude”. “Nas campanhas eleitorais mais significativas, a presença dos candidatos nas redes sociais é algo da responsabilidade de empresas de 'marketing' especializadas”, sugere. “Vê-se perfeitamente que não há ali autenticidade de participação do candidato, é uma máquina contratada para fingir que têm uma campanha jovem.”

Dizer que se aposta nestas áreas faz “parte das determinações de campanha”. Mas, “na prática, a teoria é outra”, sublinha, usando o exemplo da página “Tesourinhos das Autárquicas” para ilustrar o tipo de conteúdos que movimenta e interessa os jovens 'online'.

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