Uma análise sintáctica à greve dos professores

Em Portugal o ensino (ainda) gira à volta do binómio governo-sindicatos, esquecendo-se a célula do fenómeno aprendizagem: os alunos. Dizem que quem se lixa é o mexilhão, mas desta vez foi o marrão

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Fernando Veludo/nFactos

Se houvesse a oportunidade de acabar com qualquer coisa no mundo, o senso comum acabaria com a guerra. Talvez com a fome. Ou com o kizomba. Eu acabava com as segundas-feiras. Ou pelo menos lavava-as à máquina a 100 graus para ficarem mais curtas. A segunda-feira só foi inventada para chatear. Contam-se pelos dedos aqueles que não abraçam o início da semana com a sensibilidade de uma cinquentona na menopausa. Até o Sr. Fernando, meu vizinho do 4º direito, um entusiasta por natureza, à segunda deixa de prolongar o “o” de Bom-dia.


Começando por aí, resta-me pôr em causa a ambição que nunca tive de ser professor. Para além da falta de vocação, invoco em minha defesa o quanto troçávamos de um professor que teimava em aparecer de braguilha aberta nas aulas. Também sou bastante esquecido para me querer aventurar em frente a 30 criaturas endiabradas com uma probabilidade demasiadamente positiva de ter deixado uma braguilha por abotoar. Apesar disso, na passada segunda-feira qui-lo. Dia 17 de Junho quis, com todas os vectores das minhas forças, ser professor. Porque para eles, anteontem, não houve segunda-feira.


Não vou, porém, tomar partes sobre a greve. Deixo as politiquices para quem escreve no verdadeiro sentido da palavra. Eu sou só parvo. Tão parvo que acredito que num mundo melhor o governo seria mais permeável às exigências dos professores, e os professores às do governo. Mas essa coisa do mundo melhor, infelizmente, só acontece no "slogan" do Rock in Rio.


Tomo a parte dos alunos, porque ainda sou um deles. E o problema começa aqui. Em Portugal o ensino (ainda) gira à volta do binómio governo-sindicatos, esquecendo-se a célula do fenómeno aprendizagem: os alunos. Dizem que quem se lixa é o mexilhão, mas desta vez foi o marrão. O braço de ferro Crato-Nogueira, por muitos “Prós e Contras” que dê para satisfazer a salivação do comum espectador de horário nobre, só traz incertezas ao futuro destes estudantes que vão agora para o ensino superior. A única certeza que eu tenho, no meio de tantas dúvidas, é que isto em Hogwarts não acontecia. Continuo à espera da carta do Ministério da Magia.


E daqui, passo para as estatísticas. Não são só os catedráticos, também eu tenho os meus números: 89% de adesão à greve. É um Bom Mais. Uma coisa é certa, melhor média que esta nenhuma disciplina vai ter. Mas o problema vai mais além. É no impasse logístico que esta greve se demarca das outras. Houve alunos a fazer exames em ginásios! Saiu Ricardo Reis ou o rolamento à retaguarda? É que nem o Saramago apareceu no exame. Até presumo que tenha sido para se poupar à falta de material, esquece-se sempre de trazer as vírgulas com ele. Outro que podia ter vindo dar uma mãozinha a vigiar as salas de exame era o Alberto Caeiro, afinal é dele O Guardador de Rebanhos. Mas nem sombras.


As conclusões são poucas, e no meio do cocktail noticioso fico sem perceber se houve mesmo greve. O governo diz que não. A esquerda diz que sim. O PS diz que a adesão foi parcial. Os Verdes dizem que o que importa é o ambiente. Eu cá não sei, mas cheira-me que isto vai sair “Crato” a alguém.


A expectativa é de que, pelo menos, tudo corra dentro da normalidade nesta segunda primeira fase (nem soa bem) do Exame Nacional de Português. Ou Francês, nos Açores. Eu, entretanto, vou estudar. Tenho uma análise sintáctica para praticar. Ainda nem consegui encontrar o sujeito na frase "Os professores não foram ao exame". Deve ter ficado em casa a fazer greve.

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