A descarada fraude à Constituição pela mão do PCP

Uma das conquistas da democracia foi a democracia procedimental. Sem procedimento, desde logo constitucional, não há, pura e simplesmente, democracia

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Daniel Rocha

Uma das conquistas da democracia foi a democracia procedimental. Sem procedimento, desde logo constitucional, não há, pura e simplesmente, democracia.

No que toca à lei fundamental, como a própria prevê, as competências nela inscritas exercem-se nos termos da Constituição (CRP).

Isto significa que ao contrário do direito privado, aqui, os atos e os procedimentos são “típicos”, ou seja, só são permitidos os que estão previstos expressamente na CRP.

Assim, por exemplo, só há três tipos de atos legislativos, não se pode inventar um quarto tipo; da mesma forma, a queda do Governo dá-se nos exatos termos previstos na CRP, como seja a aprovação de uma “moção de censura”.

Não pode pois, sem chumbo num exame de primeiro ano de direito, dizer-se que em direito público o que não é proibido é permitido.

A regra é exatamente a inversa.

O PCP, partido de enorme tradição democrática, acredita que os fins justificam os meios. Por isso, como já fez uso há tempos da possibilidade de apresentação de uma moção de censura, tratou de apresentar o conteúdo de uma moção de censura, chamando-lhe outro nome: resolução.

A moção de censura com outro nome termina assim: “a AR considera indispensável e urgente a admissão do Governo e a convocação de eleições legislativas antecipadas com vista a assegurar a imediata interrupção da atual política e garantir o regular funcionamento das instituições democráticas, no respeito pela CRP”.

Como ainda ontem o próprio Bernardino Soares afirmava na "SIC", o PCP apresenta uma moção de censura “sob uma outra forma” porque já apresentou uma.

O descaramento com que a fraude à moção de censura foi assumida não comoveu a Presidente da AR, que admitiu a lógica segundo a qual o que não é proibido é permitido, talvez mergulhada em direito privado e esquecida da regra contrária expressamente prevista na CRP.

O nome dos atos é dado pelo conteúdo dos mesmos, e esta resolução é evidentemente o texto constitucional de uma moção de censura incorporado num papelito que tem no topo a denominação de resolução.

Pergunta-se: se esta “moção de censura” fosse aprovada quais seriam os efeitos? Nenhuns, a não ser o desprestígio de uma AR que aprova uma demissão e uma dissolução sem que as mesmas aconteçam.

Mas o PCP de procedimento só entende o que lhe interessa e o que permite aos seus regimes amigos a perpetuação sem termo no poder do intérprete da vontade do que consideram ser a maioria.

Com isto, queriam ver o PS aflito a discordar da necessidade de mudar de Governo; não conseguiram. Viram um PS sem medo das interpretações que ponham a correr, que não abdica do seu cariz democrático e respeitador da CRP e do regular, sim, regular funcionamento das instituições democráticas.

Esta crónica foi escrita ao abrigo do novo acordo ortográfico

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