Número de estudantes com mais de 23 anos diminuiu 2,7%

Universidades mostram dificuldades em lidar com estes públicos, defendem especialistas.

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Óscar Magalhães tem funções na administração de uma empresa que fornece material às Forças Armadas e à polícia. Desde Outubro também é estudante de Contabilidade e Administração no Politécnico do Porto. Nélson Garrido/PÚBLICO

Óscar Magalhães tem uma frase a ressoar na cabeça por estes dias: “Trazer o conhecimento para este século”. “Digo-a muitas vezes”. Não tinha completado o ensino secundário quando, há 17 anos, começou a trabalhar. Hoje tem funções na administração de uma empresa que fornece material às Forças Armadas e à polícia. Desde Outubro que também é estudante de Contabilidade e Administração no Politécnico do Porto.

Em áreas como a contabilidade e a gestão, nas quais trabalha, “é preciso estar sempre actualizado”. “Muda muita coisa todos os anos”, desabafa. Esse foi um dos motivos pelos quais pensou em ir fazer um curso superior. “As faculdades e os institutos são obrigados a ter as novidades o mais depressa possível. Aqui, uma pessoa vai vendo logo os problemas com que vai ter que lidar e já nos explicam as soluções”, conta ao PÚBLICO.

Este portuense de 37 anos é uma das mais de 4000 pessoas com mais de 23 anos que todos os anos entram no ensino superior através de um concurso com regras próprias pensado sobretudo para quem já está a trabalhar (ver texto à parte). O concurso para o próximo ano lectivo termina na segunda-feira.

O número tem estado, porém, em quebra. Entre 2014 e 2017 o número de estudantes que entrou nas instituições de ensino superior por esta via diminuiu 2,7%.

No global, a quebra no número de inscritos com mais de 23 anos atingiu apenas o ensino privado, que perdeu mais de metade (51,9%) destes estudantes ao longo desse período. No sector público, o número de inscritos manteve-se relativamente estável (mais 0,4%). Estes são os únicos anos para os quais o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior dispõe de dados estatísticos.

Nos mesmos quatro anos, o número de entradas através do concurso nacional de acesso – modalidade pela qual entra no ensino superior a generalidade dos estudantes – aumentou 18,8%, invertendo uma tendência de quebra que se tinha prolongado pelos três anos anteriores.

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“Muitas das dificuldades do tempo da crise mantêm-se e sabemos o peso que as questões económicas têm na procura do ensino superior”, avalia a investigadora da Universidade Nova de Lisboa Mariana Gaio Alves, especializada no tema da formação ao longo da vida. O concurso para maiores de 23 anos sofre ainda as consequências da quebra da procura que atingiu o superior até 2014 e da estabilização que ainda se está a verificar no mercado de trabalho, admitem os responsáveis das instituições contactadas pelo PÚBLICO.

Há, contudo, também questões que têm a ver com as estratégias das próprias universidades e politécnicos que podem pesar na decisão de quem já trabalha na hora de decidir ir fazer um curso superior. “A variação na procura também tem a ver com a forma como estes alunos são acolhidos”, defende Mariana Gaio Alves.

A investigadora da Universidade Nova de Lisboa considera que “persistem dificuldades” na forma como as instituições de ensino superior trabalham com os estudantes adultos. “Não são só as condições em termos de trabalho pedagógico, mas também de condições logísticas”, afirma.

Há questões pedagógicas específicas da aprendizagem de públicos adultos – e que na esmagadora maioria dos casos são, ao mesmo tempo, trabalhadores – que necessitam de um trabalho de “sensibilização dos professores” e matérias como os horários dos cursos, os horários dos serviços de apoio e das bibliotecas, por exemplo, que precisam de ser adequados a estas pessoas.

“As universidades ainda não estão 100% vocacionadas para este tipo de público”, concorda João Cerejeira, que coordena o “ano zero” da Universidade do Minho para os estudantes com mais de 23 anos. Há “muitas exigências” de trabalho de grupo e de frequência da avaliação contínua, que em algumas disciplinas é obrigatória, “que não são suficientemente flexíveis para estas pessoas”, acrescenta.

Um relatório publicado no início do mês pela Direcção-Geral de Estatística da Educação e Ciência (DGEEC) mostra que os estudantes que entram pelo contingente especial para maiores de 23 anos são os que mais facilmente desistem de uma licenciatura sem a terminar. A taxa de abandono para estes alunos situa-se nos 50%, mais de 20 pontos percentuais acima da média.

Óscar Magalhães concorda que “não é fácil” conciliar a vida profissional com os estudos. Quando chegam as 17h30, começa a pensar que, dali por uma hora, tem que estar no Politécnico do Porto, que fica do outro lado da cidade. O seu curso é pós-laboral, mas tem aulas todos os dias. E avaliações exactamente iguais às dos outros estudantes.

No primeiro semestre, pensou que era capaz de fazer as disciplinas todas. “Tramei-me a todas”, brinca. Agora já percebeu que não vai ser capaz de fazer a licenciatura em três anos. É uma aprendizagem, que leva muitos estudantes com mais de 23 anos a optarem, por exemplo, por fazer os cursos em regime parcial – inscrevem-se a um número mais reduzido de disciplinas e pagam apenas as propinas correspondentes.

O próprio processo de candidatura ao ensino superior também não é “propriamente simples”, considera Óscar Magalhães. Tinha decidido entrar na licenciatura há dois anos, mas a falta de informação e a burocracia fizeram-no perder tanto tempo que acabou por não conseguir inscrever-se à primeira tentativa.

O Governo assinalou, no Plano Nacional de Reformas, o aumento do número de entradas deste público no ensino superior como uma forma de cumprir as metas europeias de qualificação (50% da população entre os 30 e os 34 anos com o ensino superior em 2030). Os dados mostram, porém, que ainda há um longo caminho a percorrer porque não só o número de entradas tem diminuído nos últimos anos como é notório que nem todas as instituições de ensino superior apostam da mesma forma nos públicos com mais de 23 anos.

Os dados disponibilizados ao PÚBLICO pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior mostram isso mesmo: cerca de 40% de todos os inscritos através deste concurso especial no último ano são de apenas dez instituições de ensino superior (ver infografia) e há 73 onde o total de adultos inscritos não chega aos 50. Destas, nove são instituições públicas e as restantes privadas.

Apesar de a quebra da procura dos maiores de 23 anos nos últimos quatro anos ter atingido sobretudo as instituições privadas, foram duas universidades particulares que receberam mais estudantes adultos no último ano. A Universidade Lusófona teve 263 inscritos e a Autónoma 284. Ambas as instituições estão sediadas em Lisboa.

No caso da segunda, o número de alunos que entraram por este concurso especial duplicou nos últimos quatro anos. Esse número foi obtido em resultado de uma campanha específica dirigida a este público. A Autónoma oferece descontos nas propinas – os alunos maiores de 23 anos com estatuto de trabalhador-estudante pagam 1060 euros anuais, em lugar dos cerca de 3400 pagos pela generalidade dos alunos – e formações preparatórias gratuitas que pretendem ajudar os candidatos a corresponder à exigência de um curso superior.

A aposta responde a uma “estratégia educativa de democratização no acesso ao ensino superior”, defende o administrador da Universidade Autónoma de Lisboa Reginaldo Rodrigues de Almeida. A instituição não divulga o peso que estes estudantes têm nas suas receitas com propinas, preferindo valorizar a importância que estes eles têm para “consolidar a massa crítica” dos departamentos académicos e “usufruir das competências informais” adquiridas ao longo da vida.

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