A sabotagem é a única arma que resta a um povo vencido

A gente que estava na manifestação de 14 de Novembro é essa comunidade de pessoas condicionadas por este estranho sentimento que é o de não sermos agentes das nossas vidas

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Rafael Marchante/Reuters

Os acontecimentos da última greve geral levantam fantasmas que julgávamos arredados da sociedade portuguesa.

A rápida transição, de uma mobilização enquadrada, civil e burocraticamente, para uma outra cuja natureza foge ao enquadramento legal da democracia representativa e do estado de direito surpreendeu e assustou muitos. Afinal, éramos até há pouco tempo um povo de brandos costumes.

Na tentativa de manter esta narrativa, os diferentes interlocutores do sistema, desde os media, aos porta-vozes do governo e das forças repressoras, aos "opinion makers" institucionais da esquerda à direita, até aos ideólogos do sistema: a dita "intelligentsia" (sociólogos, politólogos, psicólogos, etc..), todos condenaram veementemente estes actos atribuindo a sua responsabilidade a pessoas na sua generalidade mal-intencionadas, com psicoses sociais e demais comportamentos desviantes.

A gente que estava naquela manifestação é essa comunidade de pessoas condicionadas por este estranho sentimento que é o de não sermos agentes das nossas vidas, de respondermos perante o Estado, o Patrão ou o Mercado, de quanto estes nos obrigam a contradizer-nos constantemente e a optar pelo cinismo. Querem contestar de forma directa as instituições que são a base deste sistema. A saber, a democracia representativa e os seus partidos e sindicatos que sustentam a organização da produção industrial moderna. Assim esta pedra contra um polícia tem este peso, antes de mais simbólico, que pretende materializar a desordem deste mundo.

No entanto, não considero que as acções tomadas contra a polícia sejam isentas de uma reflexão. Temos de entender que a violência, apesar de ser um agente histórico de inquestionável importância, levanta questões extremamente importantes.

Sabemos bem como a espectacularização destes actos insurreccionais levam à construção identitária do anarquista ou do radical de esquerda que são a armadilha que estes movimentos constroem a si mesmos. Isto cria uma espécie de mentalidade anti-social, de moral vincada que, por um lado, ajuda as forças opressoras a caracterizar e desmantelar essas redes, e por outro, cria uma espécie de sobranceria e divórcio constrangedor entre esse grupos e os restantes grupos da sociedade, levando a que os níveis de insurreição sejam diminutos e possibilidades entusiasmantes se gorem. É necessário assim, a solidificação do movimento de pensamento crítico que questiona cada vez mais os papeis sociais e económicos da nossa vida, que traga uma cada vez maior diversidade de ideias e pensamentos para que o debate saia enriquecido, que crie uma pluralização que ajude a nos distinguirmos e nos aproximarmos.

Enquanto táctica para o combate ao aparelho necessitamos encontrar tantas formas quanto possível para a sabotagem deste sistema, atacando as diferentes formas como ele se repercute no nosso dia-a-dia. O que se pretende não é a destruição da sociedade como um corpo plural, e dos seus vínculos cooperativos e mutualistas, cujos resultados para o desenvolvimento civilizacional têm sido apontados desde há muito, mas superar a dificuldade apresentada pela ascensão ao poder de uma classe que irá exercer o papel dominante. O que se pretende é a instituição de um verdadeiro corpo social e comunitário que abra caminho à expressão das personalidades e que encontre uma via mais humanizada para as nossas vivências. Em plena posse dos nossos direitos e com toda a legitimidade o faríamos.

Lê o texto completo no blogue de Tiago Sousa.

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