O povo põe o povo em ordem

Defender uma ideia com violência é violência. Mesmo que a ideia seja legítima. Sim! Mesmo que a ideia seja válida, justa, correcta, transparente, humanista, magnânima

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catiagarcia/Instagram

Uma manifestação. Uma carga policial. Pedras da calçada (arremessão violenta). Meia centena de feridos (alguns polícias). Alguns detidos (li nove). Dia seguinte: opiniões. Somos o país das opiniões (no dia seguinte). O ponto consensual: os manifestantes foram agressivos (mas não foram todos). Variações que discorrem do ponto consensual: os polícias agiram com coragem e legitimidade (todos vimos as pedras no ar!); a carga policial foi, igualmente, um acto agressivo (nem todos arremessaram pedras!).

Vejamos as coisas de outro prisma.

Nenhuns dos alvos das pedras da calçada estavam na manifestação (ponto importante nesta elucubração). O bastão é um instrumento da ordem nas mãos de um polícia. Os agentes são homens do povo. O povo faz frente às forças da ordem, mas as forças da ordem são povo. O povo atira pedras da calçada para homens do povo. Os homens do povo aguentam destemidos - ou não, quem sabe? - o que podem e investem no povo para este dispersar. Conclusão: o povo põe o povo em ordem. Eu não quero voltar ao primeiro ponto (Será que é mesmo preciso?).

Ainda acredito que o Estado detém o monopólio da violência legítima e não gosto de violência. Sou compelido a ambas as afirmações. Legítima ou não, violência é violência. Defender uma ideia com violência é violência. Mesmo que a ideia seja legítima. Sim! Mesmo que a ideia seja válida, justa, correcta, transparente, humanista, magnânima. Seja qual for a ideia, violência é violência. Fiz-me entender?

Vou esclarecer a tautologia: não há violência boa ou justa. A violência pode ser necessária mas nunca é boa ou justa. Mesmo quando nos batemos com forças do mal, há uma parte de nós que já perdeu. Se temos de usar a violência para vencer as forças do mal, ficamos sempre a perder alguma coisa, sermos corrompidos pela violência é sempre uma derrota.

Vou repetir: ser obrigado a usar a violência é sempre uma derrota, mesmo se o mal capitular em absoluto (A Segunda Guerra Mundial é um caso, mas há mais). Hoje sinto isto: a vitória absoluta na Grande Guerra deixou um resquício de derrota, em ambas a frentes. Há palavras raivosas que ainda pintam ódio por aí. Coragem para vencer a raiva é melhor coragem de todas. Mas basta de redundâncias.

Esqueçamos os efeitos – manifestação e incidentes consequentes. Opinemos somente sobre causas e não efeitos. Se queremos resolver efeitos nefastos, há que depurar as causas. Conhecer as causas. Pensar as causas. Dou um caso específico: desemprego. Há que mitigar o prejuízo social imediato do desemprego, sim, as pessoas «precisam» de protecção social. Sublinho: precisam. Mas o que as pessoas "querem" é emprego.

Há uma diferença crucial entre precisar e querer. E a prevalência está no querer e não no precisar. A causa do desemprego é uma economia débil, incapaz de gerar valor que garanta dignidade para todos. Fiquemos pelas causas. Sejamos soluções para as causas. Sempre as causas.

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