“Buffy The Vampire Slayer”: mas porquê?

Porque tem piada. Porque foi um programa descomplexadamente feminista. Porque, para um programa adolescente, "Buffy" encerra uma moral extremamente madura

Buffy foi um programa descomplexadamente feminista DR
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Não vou fazer de conta que sou o único iluminado que entende a qualidade de “Buffy”. No cenário "geek", a série dos anos 90 e o seu criador, Joss Whedon, são idolatrizados; nomes sonantes como Sarah Vowell, Russell T. Davies, Patton Oswalt e Dana Stevens são fãs declarados.

Mesmo assim, não existe outro programa que, quando admito a minha admiração, cause tanto cepticismo. Para imensa gente, “Buffy” é, no melhor dos casos, algo que se via em miúdo e, mais frequentemente, uma telenovela de adolescentes pindérica que merece apenas desprezo. Desculpem-me, então, se tomo uma postura um tanto defensiva neste artigo.

Porquê gostar de “Buffy”? A primeira razão, a mais instintiva e a menos intelectualizável: porque tem piada. Nos seus diálogos, Joss Whedon recupera os ritmos alucinantes da era dourada da "screwball comedy". A esse nível, os melhores momentos de “Buffy” podem ser colocados ao lado dos mais brilhantes duelos verbais do cinema de Hawks, Wilder ou Lubitsch, e não ficam a perder. A teia complexa de referências, a auto-consciência compulsiva e o jogo permanente com as estruturas da língua inglesa definem os diálogos cintilantes da série.

Porquê gostar de “Buffy”? Porque foi um programa descomplexadamente feminista. Esta razão também não é de discussão fácil, em primeiro lugar porque (infelizmente) qualquer homem heterossexual que levante o assunto vai quase sempre soar um pouco como se estivesse a tentar engatar alguém, e também porque as estruturas superficiais da série podem fazer pensar que o “feminismo” se resume à popular equação “gajas boas + porrada = feminismo!” (a assim-chamada “teoria Tomb Raider”). Mas não é nem de longe por aí: muito simplesmente, Whedon oferece às suas personagens, de ambos os sexos, uma tridimensionalidade e uma existência para além dos estereótipos que não é minimamente comum no género de televisão a que se dedica. Isto não devia ser notável, como ele próprio realçou num discurso brilhante para a Equality Now, mas é.


Ligado a isto está outra coisa que aprecio imenso em “Buffy”, e na obra de Joss Whedon em geral: a valorização de estruturas familiares não-convencionais. Este tema é uma obsessão para Whedon, continuando presente até no recente “The Avengers”. Mas “Buffy” é um dos melhores exemplos: a heroína tem pais divorciados, mas para além de alguns momentos pouco convincentes no início da série, a ausência do pai nunca é vista como o vazio ou drama eterno que outras séries fariam da situação. Muito pelo contrário, as personagens em “Buffy” vão encontrando figuras paternais, maternais e fraternais para além da biologia e das estruturas sociais existentes.

Finalmente, para um programa adolescente, “Buffy” encerra uma moral extremamente madura. Na primeira temporada, estamos perante um conflito entre vampiros (maus) e humanos (bons). Ao longo da série, a coisa vai-se complicando: vampiros com almas, demónios mais divertidos do que ameaçadores, humanos piores do que muitos dos monstrengos. Pela sexta temporada, os maiores perigos não vêm de qualquer ameaça externa, mas das fraquezas e dos vícios dos próprios protagonistas. Nesta desmistificação do mal alheio, e neste aprofundamento da escuridão interna, encontramos uma metáfora elegante para o que significa, de facto, crescer.

E atenção, pessoal! É tudo isto, mas também tem robôs, sexo, universos paralelos, associações secretas, mutantes, portais interdimensionais e (péssimos, deliciosamente péssimos) efeitos especiais.

Gosto de “Buffy” porque mete referências à Kryptonite vermelha. Mas também gosto de “Buffy” porque mete referências à vida.

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