“A Luz É para Todos” (“Gentleman’s Agreement”), de Elia Kazan (1947)

Até que ponto será necessário envolvermo-nos, no dia-a-dia, para ajudar a quebrar injustiças, sem cair em militâncias extremistas ou folclores da brisa predominante do politicamente correcto?

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Não é o mais popular filme de Elia Kazan, já que esse teria de ser escolhido entre “Há Lodo no Cais” e “Um Eléctrico Chamado Desejo”, ambos já lembrados nesta rubrica, mas “A Luz É para Todos” (premiado com o Óscar de melhor filme) é uma daquelas obras de arte que conseguem animar um encontro de amigos ou fazer uma festa caminhar numa direcção inesperada, se é que hoje em dia é possível fazer uma festa com direcções inesperadas. Mas, num caso ou noutro em que algumas pessoas se juntem com a ousadia de conversarem umas com as outras sobre algo mais do que telenovelas, futebol, automóveis, impostos, telemóveis ou curas de emagrecimento, ou até com a intenção singela de fazer algo mais do que beber até cair, esta pode ser uma boa fórmula para se chegar a um debate interessante (ou uma boa ideia para um filme...).

Mas, antes da discussão, uma palavra sobre os actores. Em primeiro lugar, o protagonista, Phil Green, o jovem viúvo com um filho pequeno contratado por uma revista de Nova Iorque para um trabalho de fundo sobre anti-semitismo, interpretado por Gregory Peck, que conhecemos de “A Casa Encantada” (1945), de Alfred Hitchcock, que com ele fez também “O Caso Paradine”. Dean Stockwell interpreta o filho, Tommy, num dos seus muitos papéis como actor infantil que o popularizaram nos anos 40-50 e o projectaram para uma carreira ininterrupta até ao recente “Força Aérea 1” ou à série de TV “Battlestar Galactica”. A segunda figura na ficha técnica é Dorothy McGuire, surpreendentemente pouco fotogénica: quando fala, move apenas o lábio inferior e os seus dentes lembram os de um peixe. Outra coisa é Celeste Holm (Óscar de melhor actriz secundária por este desempenho), com a vivacidade e a energia que a tornam cativante e que vimos em “All about Eve” e podemos confirmar em “High Society”. Outra coisa ainda é Ann Revere, no papel de mãe de Phil Green e avó de Tommy, com uma presença distinta, imponente, e uma força interior que assoma ao olhar. Havemos de vê-la mais vezes. Por fim, John Garfield, o grande actor de “O Destino Bate à Porta” a quem a doença cardíaca encurtou a carreira, e Sam Jaffe, de “Asphalt Jungle”.

A forma de abordar o anti-semitismo – e, com ele, os preconceitos de raça e de nacionalidade, em geral –, o ponto de vista, então original, encontrado para mergulhar no problema, mas também o efeito dessa análise sobre a vida particular do repórter, dão pano para mangas para alimentar o interesse do espectador. Mas, à medida que Phil Green vai investigando e, paralelamente, vai estabelecendo uma ligação romântica, vamos sendo confrontados com novos desafios, novas exigências, novas provas de até onde se deve ir e novas meditações sobre até que ponto se pode ir. É aí que as opiniões do tal grupo de amigos se vão dividir e as trincheiras se vão cavar, pois o que, para uns, tão transparentemente será obrigação moral, para outros será obsessão. Até que ponto será necessário envolvermo-nos, no dia-a-dia, para ajudar a quebrar injustiças, sem cair em militâncias extremistas ou folclores da brisa predominante do politicamente correcto? Que a discussão comece!

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