O que queremos de um festival de Verão?

Sonhos indie com Stephen Malkmus, visões do futuro com os Gang Gang Dance, "recordar-é-viver" com os Ornatos. Um festival, várias possibilidades

Stephen Malkmus cynic101/Flickr
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Gang Gang Dance DR
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O meu festival não é o teu festival. Manifestação colectiva por excelência, um festival é também um cruzamento de escolhas individuais. Em Paredes de Coura, de 13 a 17 de Agosto, vamos saudar a realeza indie, celebrar o regresso dos Ornatos Violeta, conhecer futuros para a música, mergulhar no presente ou dançar noite dentro? Seja o que for que queremos de um festival de Verão, é provável que o EDP Paredes de Coura o tenha.

Ter sonhos indie

Não é todos os dias que temos entre nós a realeza indie. Stephen Malkmus, ele mesmo, dos Pavement, autores de algumas das mais viciantes canções da história do indie de guitarras, apresenta-se a solo, acompanhado pelos The Jicks. Os fãs de Pavement têm aqui óptimo substituto: Malkmus continua a fazer indie rock de recorte clássico (e a ter um talento natural para refrães memoráveis).

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The Whitest Boy Alive DR

Já também merecedores do estatuto de clássicos, os Of Montreal vão montar o seu circo de psicadelismo rosa-choque onde se acotovelam megalomanias pop, frenesim funk e melodias indie-pop.

Também os The Go! Team, mais recentes, gostam de misturas. Fazem cantigas rock que parecem "theme songs" de super-heróis adolescentes. “Do it! Do it! All right!”


Experimentar o “agora”

Paredes de Coura, um festival que, este ano, parece viver bem sem estrelas ofuscantes no cartaz, está sintonizado com o “agora”, aquele estatuto algo vago que atribuímos a obras que definem o nosso tempo. E o “agora”, em 2012, é muitas vezes sinónimo de olhar para trás, baralhar e voltar a dar.

Os Sleigh Bells só podiam nascer neste tempo pela forma despudorada como pilham batidas ao hip-hop e guitarras ao metal — e juntam a isso uma vocalista excessivamente sexy. Anna Calvi, ainda a colher os frutos do seu álbum de estreia, de 2011, mostrará o seu rock sanguíneo, na melhor linha de PJ Harvey. Os Midlake provarão que o cancioneiro folk-rock britânico pode ser revisitado por americanos, sem quaisquer problemas de consciência. Já os Kasabian não saem do seu território bem britânico, absorvendo as lições dos Stone Roses e dos Primal Scream. Destaque também para a pop de câmara, delicadíssima e subtil, de Patrick Watson, a dream pop dos School of Seven Bells, ora açucarada, ora solene à Cocteau Twins, e o pop-rock manso para multidões dos The Temper Trap.

Acreditar em Portugal

Entre os grandes festivais portugueses, é raro, raríssimo, o nome mais esperado ser português. Mas em Paredes de Coura é bem provável que assim seja ou não fosse este o primeiro palco do regresso, dez anos depois do fim, dos Ornatos Violeta. Em Outubro, actuam nos coliseus do Porto e de Lisboa, mas o palco minhoto é mesmo o primeiro episódio deste regresso em jeito de celebração. É lá que vão interpretar na íntegra o álbum clássico "O Monstro Precisa de Amigos" (1999).

Os veteranos Ornatos partilham o cartaz com outros nomes da música feita no rectângulo, a começar nos PAUS (máquina de ritmo em marcha eufórica permanente) e a acabar na nova canção lusitana de B Fachada, acabado de lançar um espantoso disco de Verão, "Criôlo". Mas há mais, como a pop dos novatos Salto e as lentas canções eléctricas para uma nação de melancólicos dos Dead Combo.

Novas visões

Nem sempre um festival é o local certo para descobrir a música mais excitante. Mas, em Paredes de Coura, quem se dispuser a experimentar será recompensado. Mais habituado a palcos pequenos, será curioso ver como a música de Sun Araw se adapta ao ambiente festivaleiro. Antecipamos que não será complicado. Cameron Stallones convoca o jogo de ecos do dub, encharca de "wah-wah" a sua guitarra e, com poucos mais meios, cozinha uma música devocional, tântrica, ascética.

Dos Gang Gang Dance já se disseram todos os elogios (que são únicos, que oferecem visões de futuro numa paisagem pop “retromaníaca”) e são todos justos. Algures entre o apelo ancestral do ritmo e o futurismo dos sintetizadores, fazem música que resiste a ser reduzida a uma ideia, a um rótulo. Mas arriscamos um: fazem a melhor pop exótico-digital do mundo.

Mais habituados à rádio, os Tune-Yards, saídos da cabeça de Merrill Garbus, tratam de mostrar como a pop pode ser um animal estranho. Com guitarras esquisitamente funk, como faziam os Talking Heads, uma percussão fervilhante que parece autodinamitar-se a cada passo, a voz de Garbus, sempre “ao lado” da norma, e mais ingredientes aparentemente desconexos, fizeram um dos discos mais elogiados dos últimos tempos, "Whokill" (2011).

Reencontrar amigos

Já se sabe que num festival é provável reencontrarmos amigos. Talvez devido aos trunfos naturais das margens do Rio Tabuão, é também possível reencontrar músicos apaixonados por Paredes de Coura — e quem sabe ficar amigo deles.

No ano passado, Erlend Øye, metade dos Kings of Convenience, protagonizou o “momento Kodak” do festival, ao entoar cantigas pelo Tabuão, a bordo de um barco de borracha, numa das tardes pachorrentas de Paredes de Coura. Ei-lo de volta, com o projecto The Whitest Boy Alive, mais atrevidos do que os Kings (arriscam até um pezinho de dança), mas com a mesma sensibilidade fofinha.

Quem também regressa são os dEUS, heróis da música belga que estiveram no festival em 1999 e 2008. Apresentam novo álbum, "Following Sea", acabado de lançar, nem um ano volvido sobre o disco anterior.

Dançar noite dentro

Para quem quiser dançar noite dentro, também não faltam opções. Deixamos só quatro: os Chromatics e a sua electro-pop dançável e elegante; os Digitalism, derivados de Daft Punk, malta da pista com apetites rock; o "french touch" de Kavinsky; e o caldeirão criativo dos Crystal Fighters.

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