Governo só vai expulsar diplomatas russos se a UE o fizer

Ministro dos Negócios Estrangeiros rejeitou a acusação do PSD de quebrar consenso nacional sobre política externa e afirmou que Portugal está alinhado em absoluto com a posição europeia.

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“A evolução do processo pode ser positiva, esperamos que seja, ninguém está interessado nesta crise”, disse Augusto Santos Silva LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS

Portugal está perfeitamente alinhado com a União Europeia e só vai expulsar diplomatas russos na sequência da crise Skripal se as instâncias europeias o decidirem, o que vai estar em cima da mesa da reunião dos ministros europeus dos Negócios Estrangeiros do próximo dia 16. Foi isto que garantiu na manhã desta quarta-feira no Parlamento o chefe da diplomacia portuguesa, Augusto Santos Silva, numa audição conjunta nas comissões de Defesa, Assuntos Europeus e Negócios Estrangeiros.

“Portugal está primeiramente comprometido com a União Europeia. A instrução que dei é olhar para o que está a fazer a Comissão Europeia. Assim como a UE fizer em relação ao seu embaixador na Rússia, assim fará Portugal”, garantiu Santos Silva. E repetiu-o com diferentes formulações. “O que é necessário para expulsar? O que depender da concertação com a UE – e temos de decidir até dia 16. Alinhar a nossa posição com UE é a posição mais correcta”, insistiu já no final.

Ao longo de toda a audição, Santos Silva foi traçando algumas pistas sobre essa decisão - “Estamos a pensar não ao nível de novas sanções, mas no reforço do diálogo ao nível das organizações civis” – e no que a pode determinar. Insistindo na ideia que que este dossier é um processo diplomático “em curso – estamos na primeira vaga de decisões” –, o ministro salientou a importância dos trabalhos no âmbito da Convenção para a Proibição de Armas Químicas, que diz poder ajudar no “apuramento factual”, as investigações em curso no Reino Unido sobre a origem do veneno usado contra Skripal e a sua filha, bem como a resposta ao convite para o diálogo feito pela NATO à Federação Russa. “A evolução do processo pode ser positiva, esperamos que seja, ninguém está interessado nesta crise”, disse.

Para a preparação da sua posição, Portugal está também a definir os pontos estratégicos da relação com a Rússia, com Santos Silva a destacar, não apenas a defesa militar, mas a avaliação da capacidade lusa de responder a ciberataques, a “promoção da segurança” e a intromissões na vida política para garantir “o exercício livre da nossa democracia”.

Augusto Santos Silva defendeu o “duplo registo” em que diz que toda a UE está empenhada – “uma firmeza na resposta mas ao mesmo tempo abertura ao diálogo com a Rússia, que é vizinha” – e por várias vezes se referiu ao papel de “construtor de pontes” de Portugal num quadro multilateral: “Sempre atentos ao resto do mundo, fora dessa visão de Ocidente/Leste que terminou em 1989 e de não alimentar aqueles que gostariam imenso de ressuscitar esse clima. Nós privilegiamos o diálogo político com todos, no quadro das Nações Unidas e de outras instâncias propiciadoras de diálogo político”, sublinhou.

O consenso nacional quebrou-se?

De resto, Augusto Santos Silva teve sobretudo de responder sobre a primeira decisão que Portugal tomou: a chamada do embaixador luso em Moscovo, como fez a UE, e não a expulsão de diplomatas russos, como a maior parte dos países europeus e dos aliados e a NATO. O PSD começou logo por acusar o Governo de ter quebrado o consenso nacional em matéria de política externa, com Carlos Costa Neves a considerar a posição portuguesa “fraca e titubeante”.

“Quebra-se um consenso de pelo menos 40 anos que existia em Portugal relativamente à política externa”, apontou o deputado, defendendo que “Portugal devia ter acompanhado os seus aliados”. “Isto abala a confiança e a credibilidade da nossa política externa”, acrescentou, apontando a existência de uma “clara escalada da guerra híbrida da Federação Russa” que exemplificou com “as invasões da Ucrânia, da Geórgia, da Moldávia, a interferência da Tchetchénia, todas as intromissões na política interna de outros países, o recurso às notícias falsas, as intervenções que a transformam numa ameaça global” e até mesmo em Portugal, com “notícias falsas sobre as Lajes”. “Basta!”, disse Costa Neves, recusando a “posição de quase neutralidade que consideramos um erro grave”.

Santos Silva recusou esta leitura, afirmando ter mantido os quatro vectores da política externa – UE, NATO, CPLP e comunidades portuguesas – e argumentando mesmo que foi em nome dos residentes na Rússia e das empresas lusas que lá trabalham que foi decidido chamar apenas o embaixador, mantendo os dois outros funcionários da embaixada em Moscovo para lhes dar apoio.

Recusou também a posição defendida pelo PSD de acompanhar os aliados só porque o são, lembrando as “lições da história”, numa alusão à Cimeira das Lajes de 2003 que antecedeu a invasão no Iraque, e rejeitou que as decisões dos aliados tenham tido outra causa senão o ataque de Salisbury. “Não queremos ser neutrais”, afirmou, sublinhando que este não é um problema entre o Reino Unido e a Rússia, mas entre a UE e a Federação Russa e salientando a carta do seu homólogo britânico em que agradece a posição portuguesa.

A esquerda aplaudiu a posição portuguesa, com o BE a criticar a “política de rebanho” e o PCP a orientação “Maria vai com as outras” defendida pelos sociais-democratas. Até a antiga ministra da Justiça do PSD Paula Teixeira da Cruz veio dar algum conforto à posição portuguesa. “Não concordo com a expulsão de diplomatas russos quando não há certezas”, disse a deputada, falando a título pessoal. Mas logo discordou daquilo a que chamou de “contradição” do Governo: “Não pode ter uma posição na NATO e na UE e outra a nível interno. Só tem essa posição porque tem de agradar aos parceiros de coligação”.

Também o CDS foi cauteloso nas críticas à posição do Governo, com o líder parlamentar, Nuno Magalhães, a mostrar compreensão: “É fundamental que Portugal tenha uma boa relação bilateral com a Federação Russa”. “Sempre tivemos uma posição prudente, mas não passiva”, afirmou. E deixou sobretudo perguntas, como quanto à fiabilidade das informações dos aliados e o que pode levar Portugal a mudar de posição, que motivaram algumas das respostas mais esclarecedoras.

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