“É perante o pano que se talha a obra”, diz Jerónimo de Sousa sobre o Orçamento do Estado para 2019

Em entrevista à RTP, que foi emitida esta quarta-feira à noite, o líder comunista assume que não é dado adquirido que vote a favor do próximo OE, mas recusou entrar “no reino da especulação”.

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Jerónimo de Sousa foi entrevistado por Vítor Gonçalves Miguel Manso

Tal como fez o ano passado, em Junho, Jerónimo de Sousa deixou esta quarta-feira à noite um aviso ao Governo, em matéria de Orçamento do Estado para 2019, em entrevista emitida pela RTP. O secretário-geral do partido disse que se mantém empenhado no apoio ao executivo - "o nível do compromisso está inscrito na posição conjunta" -, mas não é certo que aprove o orçamento. "É perante o pano que se talha a obra", disse. 

"Não é dado adquirido que possa viabilizar próximo OE?", questionou Vítor Gonçalves. "Repare, como é que nós podemos ter uma posição de sim ou de não, se em relação aos seus conteúdos, ninguém os conhece", respondeu Jerónimo. "Mas isso poderia fazer cair o Governo", insistiu o jornalista. "Se for um orçamento de retrocesso, se for um orçamento em que as imposições externas e os traços de política de direita se acentuam, temos um problema", reagiu o comunista, recusando entrar "no reino da especulação".

Antes das férias do Verão de 2017, Jerónimo de Sousa também dizia, em entrevista à Antena 1, que era "prematuro e manifestamente exagerado dizer que está tudo a andar sobre rodas". Primeiro era preciso ver a proposta, fazer esse “exame comum”, e portanto, à data, não se podia concluir que o PCP estava disponível para votar a favor do OE 2018: “Insistimos na necessidade de exame comum, lá estaremos no debate, nesse exame, com proposta, com iniciativa, mas é prematuro e manifestamente exagerado dizer que isto está tudo a andar sobre rodas", assumiu.

"Ninguém pense que o PCP poderia funcionar como peninha no chapéu", acrescentou ainda. Só em Outubro, e depois do documento entregue no Parlamento, é que ficou a saber-se qual seria, exactamente, o voto dos comunistas em matéria orçamental - favorável.

Agora, Jerónimo de Sousa continua disponível para analisar o documento, mas prefere falar sobre as "marcas de políticas que têm o cunho do PCP", como o aumento das pensões, que levou a que o PS fosse além do programa do partido e do Governo. "Embora insuficiente e limitado, o PS foi além daquilo que tinha definido (queria só descongelamento e houve aumento) e isso deve-se fundamentalmente ao PCP, que persistiu, persistiu", sublinhou.

E mesmo não tendo conseguido aumentar o salário mínimo nacional ao ritmo que queria, o valor fixado foi "naturalmente influenciado" pelo PCP, reconheceu ainda. 

No entanto, nas questões laborais ou relacionadas com convenções colectivas, ambas fundamentais para o PCP, o comunista critica a aproximação do Governo aos patrões. Nos últimos tempos, defende, "houve foi uma clarificação", porque o PS, "perante estes interesses antagónicos, optou pelo lado do mais forte. Não é por acaso que uma das iniciativas que apresentámos foi a do tratamento mais favorável do trabalhador".

"Em matéria de legislação laboral, como se verificou em relação ao Banif e a muitas outras áreas, sempre que PS converge com PSD quem fica a perder é o povo", sublinhou o líder comunista. 

Até aqui, nada de novo. "Ficou clara, desde o início desta solução política, a existência de elementos de convergência. Mas também foi sublinhada desde a primeira hora a contradição existente entre este caminho de melhoria das condições de vida do povo e a identificação do PS com políticas de direita em matéria laboral", justificou Jerónimo de Sousa.

Vítor Gonçalves quis saber se há ciúme na "geringonça" por haver um dos parceiros, o Bloco de Esquerda, que comunica melhor as suas conquistas. "Quem vê a comunicação social pensa que sim", respondeu o secretário-geral do PCP que está há 13 anos em funções. Mas disse mais: "Ando muito na rua. Há um reconhecimento e conhecimento muito grande das nossas propostas, da nossa persistência e dos resultados que se alcançam. Obviamente, o BE está no direito de levantar bandeiras e até de convergir connosco em várias matérias. Mas descontando a força da comunicação social, que não se passem atestados de pouca inteligência aos trabalhadores e ao povo. Eles sabem quem resiste, quem não desiste".

Nos 49 minutos de duração da entrevista, Jerónimo falou ainda sobre a redução do défice, que considerou "positiva", apesar da "quase obsessão" pelo défice. "Foram excessivos nessa fixação. O nosso país precisa de investimento público e toda a gente concorda, mas depois, quando se procura concretizar isso, vai tudo para a redução do défice. Tem mesmo de ser aquele limite? Qual é o problema económico de mais 0,2% ou 0,3%? Qual é a lei da economia que o impede?", questionou-se.

Sobre o caso do espião russo envenenado no Reino Unido, uma reflexão: "A espionagem é um mundo em relação ao qual duvido que haja certezas certas".

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