O mundo ao contrário em Ghouta, na Palestina, no Iémen...

Bem cantava Paco Ibáñez: “Todas estas coisas se passavam, quando eu sonhava o mundo ao contrário, um lobito bom, a quem maltratavam todos os cordeiros...”

Há muito de atual, no mundo dos nossos dias, na canção de Paco Ibáñez Era uma vez... Em Ghouta, onde se entrincheirou um dos braços militares da Al-Qaeda, a al-Nusra, uma força militar jihadista que recebe apoio dos países ocidentais, a começar pelos EUA, o que se passa é um confronto militar entre os militares da al-Nusra e os sírios apoiados pelos russos, com todo o cortejo de horrores sofridos pela população.

Porém, sublinha-se, foi a Al-Qaeda de Osama Bin Laden que atacou as Torres Gémeas e o Pentágono, ou os governos ocidentais já não se lembram?

Aliás, a invasão do Afeganistão e do Iraque teve como pretexto os ataques da Al-Qaeda aos EUA, pois dizia-se que aquela organização estava instalada no Afeganistão e o Iraque. Quem se esqueceu?

“Era uma vez um lobito bom a quem todas as ovelhas maltratavam...”, cantava Paco Ibáñez. O conflito é, muitas vezes, apresentado como se fosse um bombardeamento contra os habitantes do enclave, o que não quer dizer que não sejam atingidos habitantes indefesos. Não se trata de branquear o regime ditatorial sírio, trata-se apenas de pôr os pontos nos “is”. 

Enquanto diariamente a Arábia Saudita vai bombardeando e destruindo um pequeno e bravo país, o Iémen, e todo o Ocidente se cala à espera que a casa real Saud lhe compre mais armas e desfralde a bandeira do mais fanático sunismo em Aden, os olhos deste mundo estão em Ghouta Oriental. “Era uma vez um pirata honrado...” cantava Paco Ibáñez.

Os palestinianos, martirizados na sua própria terra pela ocupação, repressão e opressão israelita, são os terroristas, mesmo que do seu lado tenham resoluções da ONU a reconhecer o território como seu e o direito à independência com capital em Jerusalém Leste; só que isso não conta para os EUA, que contra a lei decidiram reconhecer Jerusalém como capital de Israel. Quem se esqueceu do cerco e dos bombardeamentos de Israel à Faixa de Gaza? “Era uma vez uma bruxa formosa...”, prosseguia o cantor.

A CIA existe para defender fora das fronteiras dos EUA os seus interesses vitais. Para tanto tem autorização legal da Administração para instalar prisões e instrumentos de tortura a prisioneiros, em barcos no alto mar, em certos países independentemente de autorizarem ou não. Aquela polícia pode escutar as conversas em tempo real de todo o mundo, incluindo as dos governos seus aliados.

Pode perpetrar direta ou indiretamente assassinatos, inclusive das mais altas figuras de Estado de países que estejam na mira dos EUA, como aconteceu com os presidentes eleitos Salvador Allende, no Chile, e Mossadegh, no Irão. “Era uma vez um príncipe mau...”, cantava Paco.

Theresa May, ainda o inquérito vai no início, e já tirou a conclusão de que foi Putin quem ordenou o emprego de um gás que, segundo Londres, se fabricava na ex-URSS. O que se sabe, ou que se julga saber, é que o espião russo que trabalhava para a Grã-Bretanha foi atacado com um gás venenoso e estará entre a vida e a morte, assim como a sua filha. O governo britânico desconfia da Rússia, a qual nega (como seria de esperar).

Mas antes de qualquer conclusão baseada em provas recolhidas pela investigação, o carrocel ocidental já condenou a Rússia, tal como tinha alinhado com George W. Bush na invasão do Iraque, salvo as então corajosas França e Alemanha...

Este é o mundo dos nossos dias. O mundo onde o diretor da CIA passa para ministro dos Negócios Estrangeiros dos EUA e aquela instituição passa a ter à cabeça uma especialista de tortura praticada algures na Tailândia contra alegados terroristas que, se combaterem regimes na mira dos EUA, podem passar a ser combatentes da liberdade como em Ghouta.

Bem cantava Paco Ibáñez: “Todas estas coisas se passavam, quando eu sonhava o mundo ao contrário, um lobito bom, a quem maltratavam todos os cordeiros...” 

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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