Protecção Civil escapa a pagar 10,3 milhões à Everjets por causa dos Kamov

Tribunal arbitral decidiu este mês não dar razão à empresa. Em causa estava o facto de lhe terem sido entregues apenas três dos seis helicópteros do Estado, estando esta a receber metade do previsto.

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Helicóptero Kamov Daniel Rocha

Um tribunal arbitral recusou na semana passada atribuir à Everjets a indemnização de 10,3 milhões de euros que esta reclamava à Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) num diferendo relacionado com a operação e manutenção dos helicópteros Kamov. Em causa estava o facto de terem sido entregues à empresa apenas três dos seis aparelhos pesados do Estado (três aeronaves não estão em condições de voar), o que fez cair para metade o montante que estava previsto a empresa receber, um montante global de 46 milhões para os quatro anos de contrato.

A Everjets aceitava que o Kamov que sofreu um acidente grave em Setembro de 2012 não lhe fosse entregue, já que o mais provável era - e continua a ser - o aparelho não voltar a voar, devido à extensão dos danos. Mas defendia que não devia ser prejudicada por o Estado ainda não ter reparado as outras duas aeronaves que também ainda não reúnem condições para operar.

A empresa pedia ainda que a ANPC passasse a ser obrigada a pagar-lhe uma mensalidade de quase 800 mil euros pela operação e manutenção das cinco aeronaves e uma compensação de 10,3 milhões pelo que tinha deixado de receber até Abril do ano passado. A maior parte desta verba, 9,7 milhões, dizia respeito ao valor que a empresa teria deixado de receber pelo facto de o Estado só lhe pagar os serviços relativos aos três Kamov que efectivamente opera, e não aos cinco que estava em condições de operar, e o restante seria a título de prejuízos.

A Everjets argumentava que, apesar de só estar a operar três Kamov, estava contratualmente obrigada a prestar o mesmo número de horas de voo e a mesma disponibilidade operacional. E que, por isso, o Estado tinha reduzido o montante que pagava à empresa, mas não as obrigações a que esta estava sujeita.

Por outro lado, sustentava que o contrato assinado em Fevereiro de 2015 só permitia a redução do número de aeronaves no caso de perda ou perecimento, o que não abarcava a situação que veio a ocorrer. O tribunal arbitral, composto por um árbitro escolhido pela ANPC, outro pela Everjets, e um terceiro escolhido pelos outros dois árbitros, rejeitou os argumentos apresentados pela empresa, tendo, no entanto, o árbitro seleccionado pela Everjets votado contra a decisão final.

Apesar de reconhecer que a cláusula contratual só fala expressamente de perda e perecimento, os árbitros consideraram que a cláusula tornava "inequívoco que a entrega de cinco aeronaves não era um pressuposto essencial" para que a Everjets aceitasse o contrato. "Pelo contrário, o contrato contém várias regras que prevêem a redução das obrigações contratuais de ambas as partes em função da consignação de um número inferior a seis. Não se compreende, assim, como pode a demandante [Everjets] afirmar agora que assumiu encargos no pressuposto de que nunca seriam entregues menos de cinco aeronaves. Pelo contrário, é inequívoco que previu e se conformou com essa possibilidade", sustenta a decisão arbitral.         

Apesar de negar qualquer compensação à Everjets, o tribunal arbitral deixa aberta a possibilidade de tal poder ocorrer, no futuro, se a empresa vier a mudar de argumentação. Admite que poderia ter decidido de forma diversa, se o que estivesse em causa fosse a análise de como a ANPC impediu que a Everjets cumprisse as suas obrigações ao não lhe entregar dois helicópteros apenas porque os mesmos necessitavam de reparações que esta não acautelou. Mas, neste caso, a Everjets não poderia defender como defendeu que, apesar de estar a operar só três aparelhos, cumpriu as obrigações previstas para cinco. "O tribunal só poderia, assim, conhecer da existência de um direito indemnizatório (...) se esta tivesse alegado exactamente o oposto do que alegou", afirma a decisão.

A Everjets pedia igualmente que fosse dispensada de entregar aeronaves de substituição enquanto os Kamov que está a operar estivessem a realizar a inspecção dos dez anos, que demora cerca de três meses. Mas o tribunal indeferiu igualmente esta pretensão da empresa.

Não há nenhum Kamov a operar

Neste momento, nenhum dos seis helicóptero Kamov está a operar. Dos três que estão entregues à Everjets, dois encontram-se em manutenção e um outro está parado devido a divergências entre esta empresa e a Autoridade Nacional de Aviação Civil. Em causa estão as condições de uma peça importante do aparelho que atingiu o limite de vida. "O aparelho está pronto para voar", insiste Ricardo Dias, o presidente da Everjets, que avisa que não vai ceder ao regulador. A ANAC recusou estender o limite de vida da peça por mais um ano, depois de já o ter feito uma vez em Janeiro do ano passado. A Everjets diz que não encontra a peça no mercado e só daqui a uns meses deverá receber a nova que encomendou, insistindo que a própria fábrica dos Kamov atesta as boas condições daquele material. Os outros três helicópteros que estão nas mãos da Protecção Civil aguardam pela respectiva reparação, sendo que relativamente a um deles, o que sofreu um acidente em Setembro de 2012, o mais provável é que venha a ser abatido. Sobre a derrota no tribunal arbitral, Ricardo Dias garante que não vai cruzar os braços. "Estamos a estudar a decisão para eventual impugnação. Ainda muita água vai correr", reage.

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