E, de repente, há um novo Cloverfield

O Paradoxo Cloverfield, cujo lançamento no Netflix foi anunciado de surpresa durante o Super Bowl, ficou logo disponível após o jogo ter chegado ao fim. É o terceiro filme do franchise iniciado em 2008, conta com a realização do nigeriano Julius Onah e um elenco encabeçado por Gugu Mbatha-Raw.

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O Paradoxo Cloverfield, de Julius Onah, é o novo filme do franchise iniciado em 2008 por Matt Reeves Netflix

Haver um novo Cloverfield não é bem como haver um novo filme de qualquer outra saga do cinema de massas norte-americano. O franchise produzido por J.J. Abrams iniciou-se em 2008 com Cloverfield, um filme de found footage de Matt Reeves sobre um monstro que atacava Nova Iorque, e prosseguiu em 2016 com 10 Cloverfield Lane, de Dan Trachtenberg, um filme de terror psicológico passado dentro de um bunker. Pouco ligava os dois filmes a não ser uma certa aura de terror e uma série de detalhes em comum, como uma marca de gasolina ou uma empresa, bem como algum do mesmo ADN. Não seguiam as mesmas personagens, só se passavam no mesmo universo.

O lançamento de O Paradoxo Cloverfield, do nigeriano Julius Onah – que só tinha um filme no currículo: The Girl is in Trouble, de 2015 –, foi anunciado de surpresa durante o Super Bowl e imediatamente ficou disponível no Netflix – que também tem os dois filmes anteriores no catálogo – na noite de domingo para segunda-feira. Mesmo que a possível compra do filme pelo Netflix já tivesse sido noticiada, é um secretismo bastante comum por estes lados (só dois meses antes de 10 Cloverfield Lane é que o filme foi sequer anunciado), e algo de que J.J. Abrams gosta bastante, tal como gosta de espalhar pistas pela Internet sobre a história dos filmes. Nem sequer vai ser o único Cloverfield deste ano: Overlord, de Julies Avery, tem estreia marcada para Outubro, mas isso pode mudar. Afinal, a própria estreia deste Paradoxo já tinha estado prevista para esta altura, depois de ter sido anunciada para 2017, mas tinha sido recentemente adiada para Abril.

O Paradoxo Cloverfield, o filme mais caro da saga, com mais de 32 milhões de euros de orçamento contra os bastante mais modestos 20 do primeiro e os 12 do segundo – já para não falar dos custos de um anúncio durante o Super Bowl, que é mais de quatro milhões –, é uma prequela do original, e explica mais ou menos o que se passou antes de Nova Iorque ser atacada. Passa-se no espaço e tem ficção científica, thriller, terror e acção. É uma espécie de Alien da saga – se é que se pode chamar "saga" a isto. O filme está um pouco mais ligado ao Cloverfield 2008 do que a continuação de 2016, mas, tal como o seu antecessor, a história não perderia assim tanto se não tivesse qualquer ligação à marca. Até porque, originalmente, quando começou a ser desenvolvido em 2012 e se chamava God Particle, era uma história escrita pelo argumentista Oren Uziel para ser totalmente independente. Nem a protagonista sabia, enquanto estava a filmar, da ligação.

Com Gugu Mbatha-Raw, a sempre cativante actriz britânica que protagonizou Belle, de Amma Asante, Para Lá da Ribalta (Beyond the Lights), de Gina Prince-Bythewood ou San Junipero, o episódio-sensação da terceira temporada de Black Mirror, no centro das atenções, lida com a equipa internacional de uma estação espacial. O objectivo da estação é accionar um acelerador de partículas, demasiado perigoso para ser utilizado no nosso planeta, com vista a resolver a grave crise de energia que existe na Terra e está prestes a dar origem a uma guerra. Após várias tentativas falhadas e muito mais tempo do que o previsto no ar, lá conseguem, mas tudo corre mal. O que se segue envolve dimensões paralelas, tripulantes uns contra os outros e acontecimentos estranhos, por vezes muito pouco lógicos, até para o que é comum neste tipo de filmes, tal como as acções das personagens.

Não é brilhante e é, certamente, o pior filme do franchise. Mas vale a pena por algumas ideias, certos momentos surpreendentes em que a parte thriller da coisa funciona, e pelo elenco. Ao lado da protagonista, a equipa inclui o compatriota David Oyelowo, que fez de Martin Luther King, Jr. em Selma, o alemão Daniel Brühl, de Adeus, Lenine!, o norueguês Aksel Hennie – a fazer de russo –, a chinesa Ziyi Zhang, de O Tigre e o Dragão, o irlandês Chris O’Dowd, da sitcom IT Crowd, a adicionar algum bem necessário alívio cómico, e John Ortiz, o actor de origem porto-riquenha que trabalhou com Michael Mann – a fazer de brasileiro. E, na Terra, o marido da personagem de Mbatha-Raw é interpretado pelo também britânico Roger Davies, e a relação entre os dois é a parte que funciona melhor do filme – muito graças ao talento da actriz. Há, também, cameos de pessoas como Donal Logue ou Simon Pegg e Greg Grunberg, actor que aparece em quase tudo o que J.J. Abrams faz (no caso destes dois últimos, só são ouvidos, não vistos).

E é uma forma bastante diferente de lançar um antecipado filme, especialmente o mais caro, de um franchise que tem sido bastante rentável. Ir directamente para uma plataforma de streaming, sem passar primeiro pelas salas e estreando-se ao mesmo tempo no mundo inteiro. Mas também poderá ser só uma forma de despejar filmes que não correram como o esperado e não teriam muito sucesso se fossem mesmo lançados no cinema. Para este ano, o Netflix tem previsto também o lançamento de filmes como o recém-completado The Other Side of The Wind, um filme que Orson Welles deixou a meio, ou Mute, uma espécie de "sequela espiritual" de Moon: O Outro Lado da Lua, de Duncan Jones, entre outros.

Ava DuVernay, que dirigiu David Oyelowo em Selma e estreará Uma Viagem no Tempo em Março, com Mbatha-Raw no elenco, tinha anunciado no Twitter que História iria ser feita no domingo à noite. Depois, comparou o lançamento do filme a Lemonade, o álbum-surpresa de Beyoncé, dizendo que "os muros tradicionais estão a colapsar" em termos da distribuição de filmes e de quem pode ou não fazê-los e protagonizá-los. Espera-se que, para o bem de quem ainda gosta de ver filmes no cinema, não se torne regra...

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