Série B em laboratório

J. J. Abrams gostava de ser Roger Corman, mas a eficiência sincera de 10 Cloverfield Lane não chega.

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Estávamos à espera de um bocadinho mais...

Não estamos a estragar nada a ninguém – aliás, está logo no título – a dizer que 10 Cloverfield Lane, sem ser uma sequela propriamente dita, se “insere” no universo de Nome de Código: Cloverfield (2007), onde a destruição de Nova Iorque por um monstro de origem misteriosa era contada do ponto de vista do habitante comum. Também não é spoiler nenhum dizer que foi durante a produção do novo filme que J. J. Abrams, produtor de ambos, qual Roger Corman moderno fascinado pela economia narrativa da série B, decidiu que o guião original – chamado apenas A Cave – deveria fazer algum tipo de ponte com aquele filme, como se partilhassem o que o criador de Perdidos e reinventor dos franchises Star Trek e Star Wars chama de “um mesmo ADN”. 

Dito isto, 10 Cloverfield Lane é bicho diferente do filme com o qual partilha o título: os primeiros dez minutos são exemplares de como se pode explicar tudo o que é preciso saber sem diálogo e apenas através de imagem e som. Acompanhamos Michelle a ir-se embora de casa, abandonando uma relação romântica (casamento? Noivado?) que ficou para trás. Um acidente de automóvel vindo do nada e a jovem acorda ferida num bunker subterrâneo; o seu captor diz que a salvou de uma misteriosa catástrofe que parece ter dizimado o mundo. No bunker, para além de Michelle, está Howard, o raptor, teórico da conspiração e perito em sobrevivência, e Emmett, um rapaz que encontrou ali refúgio.

Estão dispostas as peças dentro da panela de pressão, a hora e meia que se segue é um jogo de esquivas à medida que a jovem tenta destrinçar se aconteceu realmente alguma coisa lá fora ou se foi raptada por um psicopata. Dan Trachtenberg gere mais do que adequadamente (com eficácia mais do que inspiração) essa dúvida metódica, jogando habilmente com a claustrofobia do cenário único, e com os actores a ajudarem muito. O número de urso volúvel de John Goodman nunca foi tão apropriado a uma personagem, a garra de Mary Elizabeth Winstead ancora todo o filme num discreto e desembaraçado feminismo. O que aqui vemos são “pessoas à beira de um ataque de nervos” numa situação complicada mais do que heróis de cinema que não têm dúvidas e raramente se enganam. 

Nada disto, contudo, chega para fazer de 10 Cloverfield Lane mais do que um ersatz sincero mas laboratorial das boas velhas séries B despachadas para cinemas de bairro e drive-ins, com a “mãozinha” de Abrams (ai os letreiros da Slusho…) a “forçar” uma ligação de que o filme não precisava para funcionar por si só, sem a espontaneidade despachada que costuma fazer a diferença nestas coisas. É uma lufada de ar fresco na paisagem dos blockbusters americanos (e até gostamos mais deste do que Nome de Código: Cloverfield), mas estávamos à espera de um bocadinho mais. 

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