O horizonte perdido do PSD

A dificuldade do PSD em fazer face ao PS e à chamada geringonça reside no facto de os socialistas poderem reivindicar a herança da social-democracia, apesar da tal grande crise que atravessa.

Quando o leitor estiver a folhear esta edição do PÚBLICO já saberá – salvo alguma surpresa não descartável – quem ganhou as directas do PSD. Não é o meu caso, pois comecei a escrever esta crónica às 18 horas de sábado e o jogo ainda não tinha acabado. Mas, seja qual for o resultado, o mais provável é que contará para muito pouco, depois do que ficámos a saber das posições dos candidatos à liderança do partido e, sobretudo, tendo em conta o território político onde qualquer um deles será chamado a intervir até às próximas legislativas. O problema do PSD não é ser liderado por Rui Rio ou Santana Lopes – e não foi aliás por acaso que nenhuma outra figura se atreveu a avançar após a renúncia de Passos Coelho, preferindo guardar-se para depois do “período de transição”. Mas haverá transição para lado algum, com estes ou outros líderes por enquanto na sombra, num partido que parece ter perdido o seu horizonte político?

A sensação que o PSD transmite hoje é a de um esgotamento histórico do seu papel na sociedade portuguesa depois das várias representações que assumiu desde o 25 de Abril até à governação de Passos Coelho. Essa foi a experiência-limite, em que o partido se viu confrontado com as opções mais contraditórias face à sua tão obsessivamente referida “matriz ideológica”: a de uma social-democracia que nunca existiu ou apenas foi projectada como desejo inalcançável. Não bastava que a social-democracia propriamente dita estivesse hoje mergulhada em crise profunda um pouco por toda a Europa – mesmo na mítica Escandinávia, em que se terá revisto Sá Carneiro na época de Olof Palme – pois o espaço ocupado por ela, ou o que agora sobra dela, estava reservado pelo PS desde os tempos de Mário Soares, que lhe fechou o acesso à Internacional Socialista (onde, recorde-se, Sá Carneiro procurou insistentemente inscrever o PSD). Restou-lhe por isso a inscrição na Internacional rival da direita: o PPE.

Tem-se especulado ultimamente sobre o desígnio frustrado de Santana Lopes em criar um novo partido concorrente do PSD, para o qual – por mais ilógico que fosse – tentou aliciar figuras tão improváveis como Pacheco Pereira. Esse desígnio de Santana traduz-se, aliás, na obsessiva designação PPD/PSD, pretendendo recuperar assim a sigla inicial do partido – utilizada só até ser possível adoptar a segunda, detida por um outro partido de existência efémera após o 25 de Abril. Longe de ser um pormenor anedótico, este é um aspecto revelador da estrutural crise de identidade do PSD e do conflito entre sociais-democratas, liberais e conservadores que sempre coexistiram no seu seio (e a que não escapava, com as suas múltiplas contradições, o próprio Sá Carneiro). E é sintomático que, para além das óbvias diferenças entre ambos, Santana e Rui Rio sejam ambos atravessados pelas incoerências ideológicas e programáticas que o PSD (ou o PPD/PSD) nunca conseguiu resolver, designadamente a relação com a social-democracia. Ofuscado ou perdido esse horizonte – que o PS, melhor ou pior, vem ocupando – resta ao PSD ser apenas uma máquina de poder, funcionando ao sabor dos interesses particulares e corporativos que se manifestam no seu seio.

A dificuldade do PSD em fazer face ao PS e à chamada geringonça, por mais transitória e conflitual que esta seja, reside no facto de os socialistas poderem reivindicar a herança da social-democracia, apesar da tal grande crise que atravessa. Nem Santana, nem Rio nem os seus putativos sucessores têm já essa ou outra bandeira que os identifique e ofereça ao PSD um horizonte político.

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