O Quaresma, o Éder e o Ronaldo

Resultados de várias investigações académicas referem que o racismo em Portugal atinge níveis bem superiores aos da média europeia, particularmente quando falamos de racismo biológico e cultural.

O país dos brandos costumes (e do envaidecido luso-tropicalismo) prefere não falar dele. Nem do velho racismo colonial nem da actual discriminação racial. É uma questão política e socialmente invisível, a não ser quando aproveitada por um qualquer candidato autárquico com pretensões populistas. Se há área onde ele é mais evidente é nas oportunidades de emprego. Exceptuando talvez o desporto profissional, no qual a discriminação poderá não ser tão notória, a cor da pele, o sotaque, o apelido ou o crioulo podem ser factores de exclusão. Não estamos a falar de uma idiossincrasia nacional. Ainda ontem uma actriz norte-americana acusou Hollywood de racismo e disse ter alterado o apelido (Chloe Bennet chamava-se Chloe Wang) para garantir o êxito da sua carreira.

Resultados de várias investigações académicas referem que o racismo em Portugal atinge níveis bem superiores aos da média europeia, particularmente quando falamos de racismo biológico e cultural, porque na nossa teoria preconceituosa valorizamos mais quem fala a nossa língua, tem o mesmo tom de pele ou pratica a mesma religião. É uma rejeição automática do Outro. Lévinas e os filósofos dialoguistas já nos tinham recomendado o diálogo com o Outro e Malinowski ajudado a perceber que a nossa identidade se forma no comparação com as outras.

Dos inquéritos de um desses estudos, conduzido pelo psicólogo social Jorge Vala, depreende-se, todavia, que a discriminação racial se atenua quando o inquirido é confrontado com o igualitarismo e com a afirmação de que todas as pessoas têm o mesmo direito. O que é um argumento para justificar e esperar que iniciativas legislativas anti-discriminação racial e políticas públicas subsequentes possam ter um impacte positivo nesse racismo enraizado e muitas vezes inconsciente.

A introdução do combate à discriminação racial nos manuais escolares é um avanço pacífico anunciado ontem pelo Governo no dia em que entrou em vigor a nova Lei para a Prevenção, Proibição e Combate à Discriminação. A propósito, o ministro Adjunto Eduardo Cabrita afirmou que todos os portugueses têm “o mesmo orgulho quando um golo da selecção é marcado pelo Quaresma, pelo Éder ou pelo Ronaldo”. Mas esse orgulho dura 90 minutos e a inclusão e a forma como são tratados ciganos e afrodescendentes na sociedade portuguesa é um problema perene. Nomeadamente nos serviços públicos. A começar pela Justiça.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários