New York Times despede provedora dos leitores e negoceia saída de editores

Proprietário do jornal diz que os utilizadores das redes sociais e os leitores da edição online já podem assumir a função de supervisores do trabalho dos jornalistas.

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O jornal tem mais de 2,2 milhões de assinantes CARLO ALLEGRI/Reuters

Os editores e jornalistas do The New York Times ficaram a saber na quarta-feira que a porta da direcção está aberta para negociarem a sua saída. Se no final do processo ainda houver um buraco no objectivo definido, os responsáveis do jornal norte-americano vão despedir funcionários – de preferência editores – para contratarem até 100 novos jornalistas.

A notícia foi avançada na quarta-feira de manhã pelo Huffington Post. Pouco tempo depois, a redacção do New York Times recebia dois comunicados – um assinado pelo director e pelo chefe de redacção, e outro enviado pelo publisher do jornal.

"O nosso objectivo é transferir de forma significativa o peso dos editores para os repórteres, para termos mais jornalistas no terreno a trabalhar em histórias nossas", escreveram Dean Baquet e Joseph Kahn.

A ideia é negociar as saídas (ou despedir, se não houver candidatos suficientes) dos responsáveis pela revisão dos artigos escritos pelos jornalistas do New York Times – editores que actualmente têm as mais variadas tarefas, da correcção ortográfica à revisão da estrutura do texto, das propostas de novos ângulos para a história à verificação dos factos. O objectivo destas saídas é substituir as camadas de filtros que actualmente existem no New York Times entre o momento em que uma notícia é feita e a sua publicação, e pôr nos seus lugares um único grupo de editores "que serão responsáveis por todos os aspectos de um artigo", de acordo com a notícia do próprio jornal – e que terão um outro editor "a olhar por cima dos ombros deles antes da publicação".

Receitas do papel continuam a cair

O anúncio de mais um processo de negociações de saídas no New York Times (é o 6.º desde 2008 e em 2014 houve despedimentos) foi criticado por vários analistas norte-americanos, por recair principalmente sobre os editores. "Penso que está a desaparecer um certo nível de escrutínio e de controlo de qualidade", disse ao New York Times Rick Edmonds, do instituto Pointer, sublinhando que os editores em causa desempenham várias tarefas importantes para a qualidade final dos textos.

Mas o anúncio já era esperado há meses – na notícia sobre o processo de negociações, o jornalista Daniel Victor escreve que essa espera era "uma de muitas fontes de incerteza" na redacção. Os proprietários do jornal querem também colocar os trabalhadores em menos pisos na sua sede, em Manhattan, e arrendar os que sobrarem. Apesar dos vários processos de negociações e despedimentos na última década, o New York Times foi sempre aumentando o número de funcionários – ao todo, trabalham no jornal cerca de 1300 pessoas.

Tal como acontece na maioria dos grandes jornais em todo o mundo, o New York Times tem registado fortes subidas na publicidade online, mas esses números não são suficientes para compensarem as fortes quedas na publicidade em papel. No primeiro trimestre deste ano, o jornal registou um crescimento de 19% na publicidade digital, para 50 milhões de dólares, e recebeu mais 308 mil assinantes da edição online; em comparação, perdeu 18% em publicidade na edição em papel, o que se traduziu numa perda global de 7%. Em Maio, a notícia do New York Times sobre os resultados trimestrais salientava que o director executivo do jornal, Dean Baquet, disse várias vezes que "a redacção tem de ser reduzida", e que "os funcionários estão ansiosamente a aguardar um processo de redução de que se fala há meses".

Supervisão dos leitores

Ainda mais criticada do que as negociações para a saída de editores e jornalistas (e eventuais despedimentos) foi o afastamento da provedora dos leitores, Elizabeth Spayd. A antiga chefe de redacção do Washington Post estava no cargo desde Julho do ano passado e foi sempre muito criticada pela forma como o exerceu – pela direcção e por jornalistas do New York Times, por leitores, por jornalistas de outras publicações e por analistas. Numa conversa com Spayd há duas semanas, o site da revista The Atlantic lembrava algumas dessas críticas – "ela tem tendência para escrever sobre o que não sabe", o seu trabalho é visto como "icónico na sua inutilidade e auto-paródia" e estava a "desbaratar a função mais importante de supervisão no jornalismo".

E é esta última questão que preocupa outros jornalistas e analistas. Apesar das críticas a Elizabeth Spayd, a função de provedor do leitor é vista como muito importante na relação entre as redacções e os leitores. Tipicamente é um cargo independente da redacção, mas com acesso a ela, que recebe críticas dos leitores e confronta os jornalistas, editores e direcções, fazendo uso da sua experiência no jornalismo para responder com o máximo de independência possível – criticar o trabalho do jornal quando deve ser criticado; defendê-lo quando as acusações não forem justificadas.

O New York Times passou grande parte da sua história sem a figura do provedor do leitor. O cargo só foi criado em 2003, na sequência do escândalo que levou ao despedimento do jornalista Jayson Blair – um repórter que passou meses a inventar histórias e a plagiar citações sem ter sido desmascarado pelas várias camadas de editores e revisores.

Agora, 14 anos depois, o publisher do jornal, Arthur Sulzberger Jr., anunciou que a função de provedor do leitor está ultrapassada, podendo ser substituída pela filtragem dos utilizadores de redes sociais e leitores que deixam as suas opiniões nas secções de comentários – a esse propósito, o New York Times decidiu também abrir a maioria das suas notícias aos comentários dos leitores, algo que actualmente só acontece em cerca de 10% dos textos.

"As pessoas que nos seguem nas redes sociais e os nossos leitores na Internet têm-se unido para servirem como um supervisor moderno, mais vigilante e mais contundente do que uma única pessoa alguma vez poderia ser. A nossa responsabilidade é dar mais poder a todos esses supervisores e ouvi-los, em vez de canalizar as suas vozes para um único departamento", escreveu Sulzberger. Para além desta aposta na supervisão dos utilizadores de redes sociais e leitores, o jornal vai também criar o Centro dos Leitores – um novo departamento liderado por uma editora do jornal (e não por uma figura independente), que terá como função "responder directamente aos leitores, explicar as decisões sobre a cobertura e convidar os leitores a contribuírem com as suas vozes", segundo o New York Times.

A decisão de acabar com a função de provedor do leitor no New York Times foi criticada por vários analistas e jornalistas, como Dara Lind, do site Vox, que defende que os profissionais não devem ser substituídos por leitores: "Não é que os leitores não devam ser ouvidos. O problema é que os leitores muitas vezes contradizem-se. Dizem que não gostam de títulos que apelam ao clique, e depois carregam neles. Dizem que querem uma cobertura jornalística aprofundada sobre assuntos internacionais, mas não estão dispostos a subscrever uma assinatura do jornal para ajudarem a pagar. Dizem que só querem ler notícias simples e directas, e depois só confiam em títulos que concordam com os seus preconceitos ideológicos."

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