Vai Emmanuel Macron conseguir governar?

Os 40 dias que nos separam das legislativas vão ser alucinantes. Só depois saberemos se, e como, vai Macron governar.

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Depois da vitória, a questão que se põe é saber se, e como, será Emmanuel Macron capaz de governar uma França dilacerada. Não o poderá fazer sem uma maioria parlamentar, tarefa tão difícil como a sua surpreendente eleição. Ainda antes das legislativas de 11 e 18 de Junho, tem de encontrar um segundo élan para mobilizar os franceses, a começar por muitos dos que votaram contra ele. Beneficia do facto de Marine Le Pen ter ficado muito abaixo da fasquia simbólica que a própria Frente Nacional (FN) estabeleceu: os 40%. Mas se Marine falhou este objectivo, é bom ter em conta que quase duplicou os votos de Jean-Marie Le Pen em 2002. É uma progressão que revela o seu enraizamento no tecido social. O lepenismo tem ganho a “batalha cultural”, impondo persistentemente temas, medos e perversões.

Para afrontar os populismos e poder governar, Macron precisa ainda de desfazer radicalmente a imagem que os adversários dele traçaram: a de candidato dos “ganhadores contra os perdedores” da globalização. Enfrentará um “tempo de cólera” e de frustração social. Não terá o habitual período de “estado de graça”. Muitos dos que perderam as eleições anunciam que combaterão na rua os seus projectos de reforma.

É difícil “traduzir em francês” as ideias de Macron. Chamam-lhe neoliberal. Ele reivindica ser, ao mesmo tempo, liberal “e” social. Tal como recusa a dicotomia França/Europa, apostando na França “e” na Europa. Mas não é este o momento de o explicar.

Passemos às legislativas. Se o Presidente francês tem larguíssimos poderes, só consegue realizar o seu programa se tiver uma maioria parlamentar. Se é forçado à coabitação com uma maioria adversa, pouco pode fazer. Macron não tem um partido, tem adeptos e uma organização embrionária, o En Marche!.

Uma sondagem do instituto OpinionWay-SLPV, publicada a 4 de Maio, admite que Macron possa vir a ter uma maioria absoluta (289 deputados em 577). Atribuía-lhe entre 269 e 286 mandatos, contra 200 a 210 para Os Republicanos (LR) e seus aliados centristas da UDI. A FN seria vítima do habitual “tecto de vidro”, não passando dos 25 lugares. O PS seria cilindrado — 28 a 42 deputados — e Mélenchon, apesar da sua votação nas presidenciais, teria de seis a oito lugares. As regras eleitorais francesas “eliminam” os que não têm aliados para segunda volta.

A incógnita dos partidos

Estes resultados confirmariam uma lei não escrita da V República. Depois de elegerem o Presidente, os eleitores dão-lhe sempre uma maioria para poder governar. O problema é que, com a acelerada decomposição do sistema partidário, estas não serão eleições normais. São imprevisíveis. Haverá numerosas “triangulares” na segunda volta, cujo desfecho será em grande medida determinado por acordos de desistência ainda desconhecidos. A chamada “oferta política” mudou radicalmente. E as novas clivagens como “nacionalismo contra globalização” ou “eurofobia contra europeísmo” baralham as linhas da divisão esquerda-direita.

“O PS e o LR estão enfraquecidos mas ainda não estão mortos”, previne um jornalista. Há muitas variáveis a mudar. A radicalização de Marine Le Pen na recta final das presidenciais volta a ameaçá-la de ostracização. O isolamento dos “insubmissos” de Mélenchon faz do Parlamento um terreno desfavorável, a que deverão preferir a “rua”, consumando a sua ruptura com a corrente social-democrata do PS.

Mas o PS e o LR têm um problema. Com que linha política se vão apresentar nas legislativas? Será um LR “fillonista” ou “juppeísta”? Conseguirá Sarkozy fazer uma síntese cosmética? Pior é o caso do PS. Qual das duas famílias, “os socialistas de governo”, à Manuel Valls, ou os “socialista de contestação”, de que Hamon foi porta-voz, representará o PS? E com que programa, o de Hamon? Parece evidente que o PS não tem tempo para reagir.

Ao propor uma aliança entre reformistas da esquerda, centro e direita, Macron desenha um novo espaço político que poderia englobar a maioria social-democrata dos socialistas, os centristas e a direita moderada representada por Juppé. O politólogo espanhol Pablo Simón vai mais longe: “A vitória de Macron supõe o fim do PS e a emergência de um novo pólo de poder, um Partido Democrático à imagem do italiano.”

Os 40 dias que nos separam das legislativas vão ser alucinantes. Só depois saberemos se, e como, vai Macron governar.

Artigo editado às 12h03 para correcção da data das eleições legislativas

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