O que se passa com o Montepio?

Perguntas e respostas sobre a actual situação do banco e da associação mutualista.

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DANIEL ROCHA

No universo Montepio, o que distingue a Caixa Económica da Associação Mutualista?
A Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) é o banco, a Montepio Geral Associação Mutualista (AMMG) é a dona do banco, controlando na totalidade do seu capital. A CEMG tem 331 balcões em Portugal, 21 em Angola e nove em Moçambique, e conta com 4182 trabalhadores (dados de Setembro de 2016). A AMMG tem cerca de 630 mil associados, que são quase na totalidade clientes do próprio banco e detém ainda a Montepio Seguros (Lusitânia). A CEMG é presidida por José Félix Morgado, a AMMG é liderada por António Tomás Correia, que foi presidente da CEMG durante anos. A CEMG é supervisionada pelo Banco de Portugal e está sujeita às regras da banca, enquanto a AMMG é supervisionada pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social.

Qual é a situação financeira do banco (CEMG)?
A Caixa Económica apresentou um prejuízo de 67,5 milhões de euros nos primeiros nove meses do ano passado, prolongando uma série de resultados negativos que, 12 meses antes, se cifravam em 59,5 milhões de euros. A gestão de Félix Morgado – que está no banco desde 2015 – atribuiu o prejuízo aos custos com a reestruturação (que fechou cerca de 90 balcões e eliminou mais de 200 postos de trabalho), contribuições para o Fundo de Resolução e desvalorizações de activos. Entre Julho e Setembro, o resultado líquido foi positivo em 144 mil euros. Em termos de actividade bancária, a CEMG registou ligeiras melhorias nos indicadores chave, que traduzem a actividade central de um banco, como o que cobra por conceder crédito ou por administrar os depósitos dos clientes.

O banco é sólido?
A Caixa Económica terá de melhorar os seus rácios de capital até Julho deste ano, segundo noticiou o Expresso esta semana, passando de um indicador de referência de 10% para 11%. Para tal, a dona do banco, a Associação Mutualista, poderá ter de injectar 150 milhões de euros de dinheiro fresco. Mas como noticia o Negócios esta terça-feira, a gestão do banco tem opções em cima da mesa para evitar pedir esse apoio à Associação. Nomeadamente, reduzir a sua exposição a Angola e Moçambique, vender carteiras de crédito com problemas (que pesam nas contas), avançar com a venda de imóveis e acelerar a passagem a sociedade anónima (processo que está em curso), que permitiria a eventual entrada de parceiros privados no capital.

O banco é arriscado?
Segundo a notícia deste fim-de-semana do Expresso, o Banco de Portugal (BdP) considera que a CEMG tem um perfil de risco “de nível elevado”, as suas exposições estratégicas “não garantem uma gestão sólida” e verifica-se uma “consistente degradação da qualidade das carteiras dos clientes”. E critica ainda a gestão por alguns episódios de falta de transparência na prestação de informação obrigatória. A gestão de Félix Morgado já respondeu a estes reparos e justifica que "adopta as melhores práticas e recomendações, quer do BdP, quer da European Banking Association, seja em matéria de gestão de risco, de controlo interno ou de concessão de crédito". Sobre os reparos do supervisor, o banco acrescenta ainda que “em todos os casos que a CEMG decidiu não contestar procedeu-se às correcções e tudo se encontra em conformidade”.

O meu dinheiro no banco está protegido?
A Caixa Económica obedece às regras do sistema bancário, pelo que está abrangida pelo Fundo de Garantia Depósitos e pelo regime do sector que prevê uma resolução bancária como a que foi usada no caso BES ou Banif, mas em moldes diferentes. Isto é, para os depósitos até 100 mil euros, existe a garantia de uma cobertura pelo Fundo de Garantia Depósitos. Se o banco for intervencionado, aplicam-se as novas regras da resolução que podem envolver depositantes com mais de 100 mil euros, embora não seja certo que tal aconteça. Em caso de resolução com as regras de bail in, são chamados a intervir, por esta ordem, os accionistas, os obrigacionistas seniores, os obrigacionistas subordinados e, finalmente, os grandes depositantes.

Se for preciso, a Associação Mutualista pode intervir para dar solidez ao banco?
Segundo noticia esta terça-feira o PÚBLICO, os auditores da AMMG fizeram um alerta nas contas consolidadas de 2015 (que incluem associação, banco e seguradora) acerca dos capitais próprios negativos da instituição no valor de 107 milhões de euros. 

Qual a situação financeira da Associação Mutualista?
No relatório que motivou o alerta dos auditores, os resultados de 2015 – que são consolidados, isto é, incluem associação, banco e seguros - mostram resultados líquidos negativos de 251 milhões de euros. Já as contas relativas a 2016 - não consolidadas, isto é, que só dizem respeito à associação mutualista-, o resultado líquido é positivo nos 7,4 milhões de euros.

Há contágio financeiro entre a Associação e o banco?
Sim. O banco tem vindo a financiar-se junto da Associação Mutualista, convidando os clientes mutualistas a subscrever produtos financeiros da Associação, cujas aplicações regressam ao banco sob a forma de capital, de empréstimos obrigacionistas ou depósitos. Como exemplo destes movimentos, o banco criou um fundo de participação no valor total de 400 milhões de euros, tendo não só aberto a subscrição deste fundo aos clientes mutualistas como ainda contou com o apoio de mais de 200 milhões da própria Associação através destes instrumentos. Nas contas da Associação, esta está exposta ao banco e outras empresas do grupo em cerca de 87%, isto é, tem mil milhões em empréstimos obrigacionistas e 2,3 mil milhões de euros investidos em capital do próprio banco e das participadas. Só ao banco, a AMMG está exposta em mais de dois mil milhões de euros.

Ainda sobre este tema, Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, tem outra perspectiva e explicou, em entrevista ao PÚBLICO: “O que me preocupa não é que o accionista tenha problemas, é assegurar que o banco não está exposto ao accionista. Essa é que é a raiz do contágio. Se um accionista tiver dificuldades, vende acções e a sua participação sem afectar o banco. Só afecta se ele também beneficiar de crédito. O crédito entre entidades relacionadas não pode ser aceite”.

As minhas aplicações na Associação Mutualista estão seguras?
Confrontado com a questão sobre a segurança dos produtos da AMMG vendidos aos balcões do Montepio, Carlos Costa respondeu ao PÚBLICO que a dona do banco é “supervisionada por uma entidade pública [Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social]. E eu creio que a entidade que a supervisiona está consciente da necessidade de ser diligente e estar atenta à instituição – certamente que estará”. Ainda sobre os produtos da mutualista, o governador do BdP acrescentou que “os produtos não são supervisionados por nós. Em qualquer caso, no sentido de separar as entidades, nós requeremos a separação de marcas”.

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