Diplomacia prepara-se para ano cheio de “ameaças, riscos e incertezas”

Augusto Santos Silva quer acabar 2017 com a rede externa “renovada e reforçada”. Foi uma nota de esperança isolada num retrato negro sobre o ano que nos espera.

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LUSA/NUNO FOX
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No seu estilo pragmático, o ministro dos negócios estrangeiros, Augusto Santos Silva, abriu esta quarta-feira o Seminário Diplomático anual com um retrato duro sobre o que a diplomacia portuguesa deve esperar de 2017: “Não há que escondê-lo: vai ser um ano de muitas ameaças, muitos riscos e incertezas.” Um ano marcado pela “volatilidade das coisas” e pela “complexidade das situações”.

Santos Silva não trouxe nem novidades nem rupturas. A política externa portuguesa é, resumiu, uma “política de Estado marcada pela convergência, continuidade e um largo consenso”. Trouxe, sim, “as tendências que devemos explorar em 2017”. “E ainda bem”, suspirou um embaixador no fim. Nenhum diplomata quer surpresas neste workshop anual de dois dias, feito sobretudo à porta fechada, este ano com três excepções — as intervenções do ministro, do comissário europeu Carlos Moedas e do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que fala esta quinta-feira. Santos Silva fez um “discurso de continuidade”, disseram vários diplomatas. “Ninguém quer um ministro que tenta reinventar a roda”, comentou um embaixador veterano.

E assim, num denso discurso de 40 mil caracteres, Santos Silva abordou tudo o que é importante e estratégico para Portugal — com a notável ausência das palavras “Donald Trump”, que não pronunciou uma única vez — e, pelo meio, desenhou o clássico retrato-robot da diplomacia portuguesa: Portugal é um articulador, mediador e construtor de pontes; é o “porta-voz dos anseios e interesses” de países de micro, pequena e média dimensão; quer “participar activamente” na construção europeia; tem uma “sensibilidade própria” para com o Sul e, em particular, África; e, depois da eleição de António Guterres para a ONU e de Portugal ter conseguido não ser punido pelo incumprimento das metas orçamentais europeias, quer agora ganhar as candidaturas internacionais deste ano: uma para o conselho executivo da UNESCO, outra para a Comissão de Limites da Plataforma Continental. As prioridades estratégicas são quatro: União Europeia, ligação transatlântica, lusofonia e comunidades residentes no estrangeiro.

O mundo em 2017

Não é fácil encontrar um diplomata que antecipe um ano com boas notícias. Santos Silva não é seguramente um deles. A “maior ameaça é o terrorismo internacional”, disse o ministro, e por isso é preciso combater as suas “causas mais profundas”: o colapso de Estados e instituições; o fundamentalismo; a radicalização; a exclusão social; a pobreza extrema; e os tráficos ilegais. E uma última: “Os poderes económicos e políticos que financiam o terrorismo e instrumentalizam em jogos perigosos de instabilização, disputa por supremacia e guerras por procuração”.

Em Setembro, o primeiro-ministro António Costa apresentou uma proposta de luta contra o terrorismo, que Santos Silva gostava que “começasse a ser posta em prática em Bruxelas ou em Paris, não em Lisboa”, lembrou: a criação de programas de estímulo económico e reabilitação urbana, sobretudo para regenerar as periferias das grandes cidades, e de programas de inclusão social, que incentivem e enquadrem os jovens. Foi dos subúrbios das principais capitais europeias que emergiram os autores dos últimos ataques terroristas na Europa.

Ao terrorismo, somam-se os “riscos globais” — que vão das alterações climáticas à “falta de solidariedade para construir uma resposta europeia” para o problema dos refugiados —, as “incertezas da geopolítica”, como a relação entre EUA e Europa e entre Rússia e China, e os desafios europeus, como a negociação do "Brexit" e o “debate incontornável” sobre o endividamento excessivo e a harmonização fiscal (“se os Estados continuarem a concorrer entre si através de uma competitividade fiscal puxada para baixo, e muitas vezes na margem da contemporização com a mais escancarada e escandalosa evasão fiscal", disse Santos Silva, "a União Económica e Monetária persistirá imperfeita, agravando as assimetrias”, numa provável alusão à Irlanda, Holanda e Luxemburgo).

E a tudo isto juntam-se os desafios específicos da política externa portuguesa. A lista é longa e começa com a implementação do acto único de inscrição consular e a elaboração técnica de um regime de mobilidade no espaço da CPLP. Um dos desafios do ano deu à luz horas, embora ainda só no papel: foi publicado em Diário da República a constituição do grupo de trabalho que vai propor uma nova política de acção cultural externa “concertada e coerente” que une — por decisão no conselho de ministros em Outubro — técnicos dos ministérios dos Negócios Estrangeiros, Finanças e Cultura. Para uma plateia que se queixa há anos de cortes, Santos Silva lançou no fim uma ponta de esperança. Quer acabar 2017 com a rede externa “renovada e reforçada”.

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