O debate da dívida vem aí e o tema divide o Governo

O Governo fala a duas vozes sobre a reestruturação da dívida pública, um tema incontornável em 2017. O PCP quer começar já a debatê-lo na estrada e o BE não vai largar a bandeira.

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Vieira da Silva, Centeno, Costa e Santos Silva são alguns membros do Governo que têm abordado o assunto publicamente Miguel Manso/Arquivo

Não é só pela quantidade de dívida que o país tem de pagar, nem tão só pela pressão externa - há e haverá também pressão interna (dos partidos que apoiam o Governo) e dentro do próprio PS para que a renegociação da dívida pública seja, senão uma prioridade, pelo menos um tema em 2017. Mais cedo ou mais tarde, será esse o prato principal do debate político também na Europa. A questão é saber quando vai o Governo iniciar a discussão. E, aí, o executivo fala a duas vozes.

António Costa acredita que antes das eleições na Alemanha, em Outubro de 2017, não haverá discussão sobre o assunto. Já o ministro do Trabalho e Segurança Social, Vieira da Silva, fala da questão integrada entre a dívida pública e a promoção do crescimento, para dizer que não se pode ficar sempre “à espera da próxima eleição, porque senão a União Europeia estará num impasse prolongado”.

As duas visões visam dois públicos diferentes: o alvo de António Costa são os mercados; o de Vieira da Silva os parceiros do Governo. Parceiros, aliás, que já fizeram questão de dizer que o assunto não ficou esquecido nem tapado pelos acordos que permitiram a formação do Governo. O PCP anunciou, aliás, que irá começar uma campanha em Janeiro "em torno da libertação da submissão ao euro", articulada "com a renegociação da dívida e o controlo público da banca".

A prova de que há dois discursos, consoante os interlocutores, foi dada pelo próprio ministro das Finanças. À frente do PCP e do BE, num debate na Assembleia da República sobre o Orçamento do Estado, Mário Centeno fez saltar o assunto para as manchetes dos jornais quando disse que “é essencial que se tenha uma redução da taxa de juro que Portugal paga pelo seu endividamento. Essa discussão apenas pode ser tida num contexto europeu. O Governo está disposto a fazê-lo no plano europeu e tem feito por isso”.

O “tem feito por isso” soou a conversa em andamento, mas Centeno prontificou-se a dizer que não, cinco dias depois, em resposta a jornalistas, desta vez em Bruxelas, depois de uma reunião no Parlamento Europeu. “A reestruturação da dívida não está e não vai estar em cima da mesa”, garantiu nesse cenário. Perante o nervosismo criado pela declaração inicial de Centeno, também Augusto Santos Silva se viu obrigado a negar a intenção de pedir um haircut, na lógica de corte do stock da dívida. “Seria um erro enorme Portugal isolar-se como um país com problemas com a sua dívida”, disse

Em suma, o Governo está de acordo em reconhecer que o problema da dívida existe, mas há nuances quanto ao que fazer para o resolver. “Tenho consciência da dimensão do problema e de quanto ele carece de uma resposta à escala global”, disse o ministro Adjunto, Eduardo Cabrita, em Dezembro.

O elefante no meio da sala

Em 2017, o Governo prevê desembolsar em juros da dívida pública o correspondente a 4,3% do PIB com uma taxa implícita de 3,5%, o que significa um valor aproximado de 8 mil milhões, o maior peso no produto de todos os países da Europa. No valor total, o Estado português tem de reembolsar em 2017 mais de 20.800 milhões de euros de dívida pública: a maior fatia, de 14.470 milhões, são Bilhetes do Tesouro (dívida de prazo mais curto), somando-se 6340 milhões em dívida de médio e longo prazo.

Números que levam o economista Ricardo Cabral a afirmar que a reestruturação da dívida será o elefante no meio da sala, em 2017. “O calcanhar de Aquiles das contas públicas continua a ser a dívida. E 2017 não será fácil”, escreveu numa crónica no PÚBLICO. Mais: “A economia portuguesa irá continuar condicionada pela disciplina orçamental imposta por Bruxelas (e Berlim) e pela elevada dívida, com o Governo a procurar apagar os fogos que vão surgindo”, escreveu o economista a título de previsão para este ano.

Paulo Trigo Pereira, deputado do PS defende que “o peso excessivo da dívida no PIB” faz parte de um conjunto de problemas que afectam “a sustentabilidade e a própria configuração actual do euro”, como a união bancária “incompleta” ou a “falta de capacidade orçamental da zona euro”. Isso justifica, para o socialista, que Portugal faça parte do debate “técnico” que já se iniciou em círculos mais teóricos como think tanks e fóruns. Trigo Pereira concorda com Centeno quando este diz que o objectivo deve ser o de “reduzir consideravelmente a despesa com juros da dívida”. E o timing importa, mais até para o debate político do que para o técnico. “O debate político em torno da renegociação ou reestruturação da dívida é inevitável no contexto europeu, deve ser feito de forma multilateral e após as eleições alemãs, pois antes não haverá condições políticas”, diz ao PÚBLICO.

Eurico Brilhante Dias, outro socialista, concorda com a visão de António Costa. O deputado, que também faz parte da Comissão de Orçamento e Finanças, diz que a questão da dívida “não é um problema português, é um problema da larga maioria dos Estados-membros”. Como tal, não pode ser um tema que se cinge “a um universo restrito de Estados-membros” nem desligado da discussão sobre a arquitectura da união económica e monetária, em especial da união bancária, com o que isso implica acerca da criação do fundo de resolução comum e do fundo de depósitos comum. Eurico Brilhante Dias acrescenta ainda que é preciso assumir “que a mutualização do risco de liquidação e resolução bancária é uma primeira etapa da mutualização da dívida", tal como “adoptar os passos necessários para a gestão comum da dívida do conjunto dos Estados-membros da área do euro”.

A dívida e a circunstância

No interior do Governo, o assunto vem à baila de forma recorrente. Costa acredita que, “mais cedo ou mais tarde, infelizmente mais tarde que cedo, isso exige uma resposta integrada” – ou seja nunca antes de Outubro de 2017, porque colocar agora a questão  “seria inútil e contraproducente” –, mas outros ministros têm as suas próprias visões. Por exemplo Eduardo Cabrita, ministro-adjunto, admite que Portugal estará mais preparado para o debate, se tiver “rigor nas contas públicas” e “a capacidade de, consistentemente”, cumprir" as suas “obrigações num quadro europeu”.

Contudo, as palavras dos ministros não podem ser desligadas das circunstâncias. Logo depois da eleição de Donald Trump, houve uma subida dos juros da dívida portuguesa, os quais tocaram nos 3,5% aproximando-se dos 4% - limite a partir do qual a agência canadiana de rating DBRS reanalisa a nota dada à dívida do país. Recorde-se que esta é a única agência a não considerar a dívida portuguesa como lixo, o que permite o acesso de Portugal ao programa de apoio do BCE.

Neste período, a mensagem a passar era a da confiança e estabilidade. O Governo negou de forma categórica quer a renegociação quer o debate. “É muito provável que, ao longo de 2017, perante números que se consolidam sobre o crescimento da economia e a mensagem de confiança da União Europeia, relativamente à evolução orçamental portuguesa, os próprios mercados ajustem o custo da nossa dívida face a valores mais compatíveis com a realidade económica do país”, dizia Costa. Não era o momento.

A “confiança” que Costa queria fazer passar baseava-se também na estratégia da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), que assegurou aos investidores 40% das necessidades de financiamento para 2017.

Entretanto, o Governo tem um grupo de trabalho com o BE para debater uma solução para a dívida pública, mas não é certo se e quando será conhecido um relatório.

 

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