A política latino-americana, a BoCa de John Romão e a mãe de El Khatib: o teatro em 2017

Os regressos de Mariano Pensotti e Guillermo Calderón reabrirão feridas históricas deste e do outro lado do Atlântico. Mas nem todo o teatro que veremos em 2017 será militante...

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Mohamed el Khatib trará o comovente Acabar em Beleza ao D. Maria
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Em Abril, Salomé Lamas atira-se à lenda de Fatamorgana FOTO: Nuno Ferreira Santos
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Alexandre Farto (Vhils) junta o palco e a rua, o clássico e o urbano na dança, na música e nas artes visuais FOTO: REUTERS / Rafael Marchante

Reatemos a nossa relação com o argentino Mariano Pensotti e o chileno Guillermo Calderón: Lisboa 2017 – Capital Ibero-Americana de Cultura dá-nos nova desculpa perfeita para mergulhar na malha socio-política da América Latina e colocar em perspectiva os processos históricos do outro (mas também deste) lado do Atlântico. Pensotti arranca a programação teatral da capital a 21 e 22 de Janeiro com Arde Brilhante nos Bosques da Noite, no Teatro Maria Matos, investigando os ecos da Revolução Russa na América Latina actual, passados cem anos sobre esse acontecimento fundamental para a História do século XX. Calderón, também no Maria Matos, de 15 a 17 de Fevereiro, regressa aos jovens treinados para lutar contra a ditadura chilena que tinha explorado em Escuela para se focar, em Mateluna, na história de um deles: Jorge Mateluna.

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Guillermo Calderón voltará a pôr o dedo na ferida do Chile

Num programa rico em propostas teatrais, há que manter debaixo de olho o díptico A Tragédia Latino-Americana / A Comédia Latino-Americana que o brasileiro Felipe Hirsch levará até ao Teatro São Luiz entre 1 e 5 de Março. Convocando textos de 15 autores latino-americanos, dirigirá os dois espectáculos que levam para palco bandidos, políticos e outras figuras de potencial incendiário para forçar, respectivamente, o choro e o riso. Numa presença portuguesa em que a relação com a obra do escritor Mario Benedetti será chamada ao palco em duas ocasiões (O Estranho Caso do Bigode Irónico e Pedro e o Capitão), também a Mala Voadora tratará de sujar as mãos com a política latino-americana, mas trabalhando-a a partir do mundo das telenovelas, entre 9 e 19 de Novembro, no São Luiz.

Dentro da BoCa, a nova bienal de arte contemporânea concebida por John Romão para Lisboa e Porto, de 17 de Março a 30 de Abril, a palavra de ordem é a abolição de muros. Daí que possamos encontrar artistas plásticos ou cineastas a reclamarem o palco não como quem se aventura por terrenos interditos mas como quem reclama uma tela mais ampla para a sua criação. No Centro Cultural de Belém, Salomé Lamas atira-se à lenda de Fatamorgana (12 e 13 de Abril), enquanto Alexandre Farto (Vhils) junta o palco e a rua, o clássico e o urbano na dança, na música e nas artes visuais (7 e 8). Entre 31 de Março e 2 de Abril, em Lisboa no Parque Mayer, e a 7 e 8 no Porto em local a anunciar, João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira torcem o imaginário circense em Palhaço Rico Fode Palhaço Pobre, espectáculo para o qual estão a preparar um concurso de talentos em que o público decidirá a quem atribuir um prémio monetário.

A BoCa trará ainda ao Mosteiro de São Bento da Vitória, no Porto, a 30 e 31 de Março, Júlio César – Peças Soltas, em que Romeo Castellucci se diverte a esquartejar o texto de Shakespeare. O bardo inglês, embora numa abordagem muito distinta, andará também pelo Centro Cultural de Belém (CCB) através da encenação de Rogério de Carvalho para Rei Lear (8 e 9 de Setembro), tendo a sala lisboeta previsto o seu arranque teatral com Despertar da Primavera, de Wedekind, rara incursão do Teatro Praga pela dramaturgia canónica. A Pedro Penim, dos Praga, caberá também a direcção da apresentação da Companhia Maior no CCB, com Humor Maligno.

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John Romão lança uma nova bienal, a BoCA: 17 de Março a 30 de Abril em Lisboa e Porto FOTO: Nuno Ferreira Santos

Entretanto, no São Luiz, os primeiros meses de 2017 são um corrupio. Os Artistas Unidos (que estreiam na Politécnica, a 11 de Janeiro, A Estupidez, de Rafael Spregelburd) apresentam entre 19 de Janeiro e 5 de Fevereiro o capítulo final do seu namoro com Tennessee Williams em A Noite da Iguana, encenação de Jorge Silva Melo, transitando para o São João, no Porto (9 a 26 de Fevereiro), e o Teatro Aveirense a 4 de Março. Seguem-se o projecto Não Quero Morrer, de Elmano Sancho e Juanita Barrera (25 a 29 de Janeiro), a abordagem à vida de Sarah Bernhardt por Miguel Loureiro com Beatriz Batarda em Paris > Sarah > Lisboa (2 a 11 de Fevereiro), e Encontrar o Sol, peça em um só acto de Edward Albee, enquadrado pelo teatro delirante de Ricardo Neves-Neves (17 a 25 de Fevereiro). Em Março e Abril, dois regressos obrigatórios: a italiana Marta Cuscunà apresenta Sorry, Boys e Gonçalo Waddington lança-se à segunda paragem da sua tetralogia O Nosso Desporto Preferido.

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A italiana Marta Cuscunà apresenta Sorry

Ainda no São Luiz (12 a 14 de Maio), o FIMFA apanhará boleia da Capital Ibero-Americana para mostrar Feos, texto de Guillermo Calderón a partir de Benedetti e que adapta para o mundo das marionetas o encontro entre um homem e uma mulher com defeitos físicos. O espectáculo de abertura do FIMFA, no Maria Matos, de 11 a 13 de Maio, será Teatro Delusio, dos alemães Familie Flöz, fantasiosa visita aos bastidores de um teatro de ópera italiano que fez furor no último Fringe.

No Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa, depois de Pablo Fidalgo Lareo (19 a 22 de Janeiro) se embrulhar na poesia de Daniel Faria, Mohamed el Khatib apresentará o comovente Acabar em Beleza, relato pessoal da morte da sua mãe, pouco antes de Tiago Rodrigues estrear uma co-produção com os belgas tg STAN numa adaptação muito livre de Anna Karénina, de Tolstói, intitulada Como Ela Morre (9 a 19 de Março; 22 a 25 no São João). No palco da Culturgest, dois espectáculos a exigir atenção: History History History, documentário ao vivo de Deborah Pearson a braços com as relações entre os planos pessoal e político, e o muito elogiado Triple Threat (16 a 18 de Março), de Lucy McCormick, numa “versão trashstep-dubpunk do Novo Testamento”, um frenesim de performance que deixou Edimburgo em polvorosa.

No Teatro Nacional São João (5 a 29 de Janeiro), o ano começa com o musical , texto de Regina Guimarães e encenação de Nuno Carinhas protagonizado pelos Clã, prosseguindo (9 a 18 de Março) com Os Veraneantes de Górki dirigido por Nuno Cardoso, que viajará até Braga e Coimbra nos dias seguintes. Em Coimbra, aliás, o Teatro Académico de Gil Vicente estreia na próxima semana (12 e 13) a peça de Mickaël de Oliveira Sócrates Tem de Morrer. De Almada, sabe-se que A Noite da Liberdade e O Feio continuarão as suas carreiras em Janeiro e de Fevereiro no Teatro Municipal, enquanto do Festival a única certeza, por agora, é mesmo a presença de Hedda Gabler, de Ibsen, na encenação de Juni Dahr, como espectáculo de honra da próxima edição.

Com Inês Nadais

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