Derrota do humanismo e da tolerância?

É preciso lutar com prevenção, pedagogia e boas políticas públicas, particularmente no emprego e apoios sociais, para impedir que voltem os horrores do século XX .

A vitória de Donald Trump está a revelar-se um balão de oxigénio para os líderes autoritários e para as correntes políticas mais reaccionárias, de cariz segregacionista. Estamos perante uma derrota do humanismo e da tolerância, do cosmopolitismo e da solidariedade, do respeito e promoção dos direitos fundamentais. O mundo entrou numa nova era de incerteza, como já se viu mesmo antes de ter assumido a presidência.

As forças desagregadoras têm vindo a ganhar terreno, numa pulsão que parece caminhar para a autodestruição. Tornou-se corrente ver pessoas festejarem a vitória de líderes políticos que trazem o autoritarismo, a degradação da democracia e a potenciação dos conflitos.

O crescimento na Europa dos populismos, nacionalismos, movimentos racistas e xenófobos, alguns de inspiração na ideologia nazi, aí estão para o demonstrar. A memória das tragédias do século XX parece substituída pela superficialidade das redes sociais, diluindo e desvalorizando as duas guerras mundiais que ceifaram mais de 30 milhões de vidas e destruíram a Europa.

Assistimos ao triunfo da irracionalidade e da banalização da crueldade provando que o instinto animal está a ser mais forte que a razão e o valor da humanidade. Olhamos impotentes para as imagens de destruição na Síria, uma realidade que não deveria tornar-se banal.

Depois de anos a desvalorizar as instituições e a política, o medo tem sido a arma de campanhas políticas, levando as pessoas a apoiarem líderes arrogantes. Quando se põe tudo em causa ao mesmo tempo como tem feito Donald Trump é difícil prever as consequências económicas, sociais, políticas e mesmo militares.

E é evidente a força dos nacionalismos e do egoísmo dos povos, que se viram sobre si próprios, sem cuidar dos equilíbrios que é necessário manter com os outros países. Em pouco mais de uma década o mundo ficou mais fechado, mais dividido, mais imprevisível e mais intolerante. Os efeitos perversos da globalização, a crueldade do capitalismo e da especulação financeira indiferente ao destino das democracias e do bem-estar dos povos, os passados coloniais com as feridas que nunca sararam, as fronteiras artificiais, são um cocktail explosivo de sobressaltos e geram tensão e incerteza.

A crise da Europa não está dissociada da hegemonia alemã, que se acentuou após a queda do muro de Berlim e a reunificação da Alemanha. E a crise do mundo não está dissociada do poder absurdo que a política transferiu para a finança, tornando-se refém dela, sem preocupação com a defesa das democracias, dos equilíbrios do planeta, com o emprego e as empresas e, no limite, com a humanidade, como ficou demonstrado com a crise de 2008. Ter liquidez é a única obsessão da finança, que quando necessita nunca hesita em sugar os rendimentos das pessoas e o funcionamento dos Estados.

É preocupante ver Trump condescender com as forças que defenderam o “Brexit” e a fragilização da União Europeia (UE), e com líderes autoritários que desprezam a democracia, as soberanias nacionais e os direitos fundamentais.

A Europa está instável e vulnerável, com consequências na degradação da qualidade das democracias e na solidariedade, a marca identitária mais relevante do projeto comunitário. Países fundadores da UE estão a rebelar-se contra o projeto de paz que ajudaram a criar, enquanto extremistas e populistas estão excitados perante a perspetiva de conquistarem o poder e deitarem por terra o edifício construído sobre os escombros da Segunda Guerra Mundial.

Além dos desafios como a erradicação do terrorismo, o combate às desigualdades económicas e sociais, evitar a degradação do ambiente, há outro combate mais necessário: lutar pela sobrevivência da UE, certamente que com outro funcionamento e regras onde o espírito dos pais fundadores esteja vivo.

É preciso acreditar na prevalência do bom senso. A UE é fundamental para os equilíbrios globais. É preciso lutar com prevenção, pedagogia e boas políticas públicas, particularmente no emprego e apoios sociais, para impedir que voltem os horrores do século XX .

 

 

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